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Farc da Colômbia e Bogotá se reúnem para pôr fim a meio século de guerra

Especialistas alertam para obstáculos políticos, técnicos e legais após a assinatura

Rodrigo Craveiro
postado em 23/02/2016 06:00

Colombiano caminha diante de grafite em muro, onde se lê

A um mês do prazo estipulado para a assinatura de acordo para pôr fim a mais de meio século de conflito, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo de Juan Manuel Santos buscam reduzir as tensões criadas por um comício de líderes da guerrilha em El Conejo, no departamento de La Guajira, na última quinta-feira. Em gesto de concessão, o grupo marxista entregou ontem um menor, que se encontrava sob seu poder, a uma missão humanitária do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR). Para especialistas no conflito colombiano, uma série de desafios deve marcar a implementação do pacto entre Bogotá e as Farc.

Doutor em estudos de paz e conflito e professor da Universidad Externado de Colombia, Andrés Macías crê que um dos obstáculos para as Farc será garantir com que os membros acatem o que os líderes acordarem em Havana. ;Outro problema será manter os altos níveis de confiança do governo. Do lado da guerrilha, isso pode surtir papel fundamental no início da desmobilização ; a deposição de armas;, observa. De acordo com ele, as autoridades terão que investir em capacitação e em apoio psicológico aos rebeldes desmobilizados, a fim de facilitar a adaptação à vida civil. ;Serão necessárias políticas de conscientização orientadas à sociedade para que, por maior que seja o desejo de vingança, ela entenda a importância de não recorrer à violência e de permitir a implementação das ferramentas da justiça transicional, cruciais para que vítimas e população acessem a verdade e a reparação;, defende Macías.

[SAIBAMAIS]Para Eduardo Bechara Gómez, professor da Universidad Externado de Colombia e autor de Prolongamento sem solução?: Perspectivas sobre a guerra e a paz na Colômbia, os desafios pós-acordo serão múltiplos e diversos. Um dos mais críticos, segundo ele, será o tratamento dispensado aos crimes das Farc. Em setembro passado, o presidente Juan Manuel Santos e Timoleón Jiménez, líder máximo da guerrilha, fundaram as bases da Jurisdição Especial para a Paz. ;Muitos setores políticos, econômicos e sociais creem que a aplicação de penas sem cárcere se traduz em alta dose de impunidade. Os defensores do processo de paz insistem que não se pode sacrificar a justiça em troca do fim do conflito;, explica Bechara. ;A concessão de anistia é pouco provável, o que mostra a complexidade da equação entre paz e justiça. Para muitos, o esquema transicional proposto favorece a reconciliação e o perdão.; O analista vê o dilema como grande desafio, que vai demandar de Bogotá um mecanismo de indenização às vítimas e garantias de não repetição da violência.

Fracasso
Nada fácil, na opinião de Macías, para quem o risco de guerrilheiros não aceitarem o acordo é certo. ;Alguns membros não confiam no governo e nos benefícios que o acordo lhes outorgaria. Outros são mais rebeldes e não seguirão as ordens da liderança. Haverá aqueles que vão considerar o narcotráfico e o contrabando mais lucrativos;, sustenta. A reintegração dos desmobilizados vai exigir a redefinição de sua identidade enquanto cidadãos, além da inserção do mercado de trabalho e a prevenção do regresso a atividades criminosas. A Colômbia consolidou a chamada ;rota de reintegração;, a cargo da Agência Colombiana para a Reintegração (ACR), que tem acolhido integrantes das autodefesas, paramilitares e desertores das Farc. Entre 2003 e 2015, 57.203 combatentes se desmobilizaram e 84% (48.096) aderiram ao programa ; 15.131 eram das Farc. ;Muitos ex-combatentes estão em situação de discriminação e de estigmatização no mercado laboral. O grande desafio será adequar o esquema institucional existente ao contexto político da negociação. A deserção é castigada com a morte pelas Farc;, conclui Bechara.

No cenário pós-conflito, um dos temores se associa ao risco de fragmentação da guerrilha. A estrutura hierárquica e vertical das Farc ; o Secretariado no topo, exercendo férreo controle sobre as frentes ; perdeu coesão e enfraqueceu a influência dos líderes ante as unidades insurgentes. ;A ofensiva militar sob o governo de Álvaro Uribe (2002-2010) levou à dispersão territorial das Farc e o seu recuo até áreas remotas de fronteira. As unidades estacionadas em tais zonas podem se afastar do processo de paz e se criminalizarem;, aponta o mesmo estudioso.

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