A cidade síria de Aleppo aproveita há três dias a suspensão dos bombardeios e desfruta de momentos de paz, mas morre de sede.
Os habitantes, dos dois lados da linha de frente, sofrem com a maior escassez de água em cinco anos de guerra.
"A situação geral melhorou desde o início da trégua, é possível procurar de tudo... menos água", afirma Abu Nidal, de 60 anos, que vive no bairro rebelde de Al Maghayer.
Os combates ferozes nesta cidade dividida desde 2012 entre bairros sob controle rebelde e outros em poder do regime destruíram as bombas e os geradores elétricos que transportavam água aos bairros residenciais. A distribuição se tornou imprevisível.
A situação piorou com o ataque no fim de novembro da aviação russa contra a principal usina de tratamento de água da província, controlada pelo grupo jihadista Estado Islâmico (EI). Privou de água 1,4 milhão de habitantes de Aleppo e seus arredores, segundo a Unicef.
Os habitantes precisam se abastecer em poços improvisados ou comprar água de distribuidores privados.
Em sua suja caminhonete branca, um jovem coloca uma cisterna. Transporta água extraída de buracos cavados nas imediações da cidade. Depois enche com uma bomba os depósitos dos telhados dos edifícios.
"Os príncipes de Aleppo"
"São os príncipes de Aleppo, porque todos precisam deles", explica Jana Marja, uma estudante de 21 anos que vive no bairro dos siríacos, controlado pelo regime.
Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH), os bairros sob controle do regime são os mais afetados pela escassez devido à maior densidade populacional.
Todas as manhãs, homens, mulheres e crianças fazem fila com baldes de plástico em frente aos poços e às cisternas públicas.
"Esperar se converteu em um ofício em Aleppo, umas pessoas pagam às outras para que guardem seus lugares na fila de espera", acrescenta Jana Marja.
As pessoas encaram com humor a escassez "e se queixam sobretudo de ter o cabelo oleoso". "A brincadeira mais disseminada é que as alepinas, que estão há um mês sem tomar banho, continuam sendo mais bonitas que as parisienses emperiquitadas", comenta o estudante com um sorriso.
No bairro insurgente de Bustan al Qasr, na linha de frente, Abu Amer, um comerciante de 38 anos, confessa que "embora a água já tenha ficado cortada durante um mês, esta interrupção é a mais longa desde o início da guerra em Aleppo".
Para minimizar, este pai de três filhos paga 200 LS (0,45 euro, 0,48 dólar) a cada semana pelo funcionamento de um gerador que bombeia a água de um depósito próprio a sua casa para lavar os pratos e fazer a limpeza.
Sua família toma banho uma vez por semana. A água potável vem da Turquia. "Comprava 12 garrafas por 450 LS (1,10; 1,19 dólar), mas agora o preço duplicou", se queixa.
"É como ouro"
Rawane Damene, uma estudante do bairro de Mogambo, no poder do governo, afirma que sua família paga 1.350 LS (3,2 euros; 3,4 dólares) para encher 1.000 litros no depósito do telhado.
Diz que compra com dificuldade garrafas d;água a preços astronômicos no supermercado. Outros preferem ferver a água do poço e colocar cápsulas desinfectantes compradas na farmácia.
Muitas pessoas se queixam de problemas de saúde pela água dos poços. "Eu e um de meus filhos nos envenenamos com a água de um poço", afirma Abu Mohamad, um desempregado de 43 anos.
"Sofremos infecções intestinais, diarreia e vômito", enumera.
Para saber quando as cisternas locais encheram, os vizinhos se comunicam pelas redes sociais.
"As pessoas se informam pelo Facebook sobre onde há água potável, ou compartilham muito rapidamente as informações por Whatsapp e pela internet em geral", afirma o engenheiro informático Fadi Nasrallah. Também utilizam o mapa dos poços realizado pela Cruz Vermelha Internacional.
"Antes da guerra, não prestava muita atenção na água, mas agora é como ouro para mim. É praticamente sagrada", afirma Ali, de 29 anos.