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Dama da arquitetura, Zaha Hadid reverenciava os traços de Brasília

A arquiteta mais famosa do mundo morreu, na manhã de ontem, vítima de ataque cardíaco, em Miami. No último dia 11, a iraquiana, de 65 anos, confidenciou ao Correio ter recebido influências de Oscar Niemeyer e elogiou os traços da capital



Por que e como a senhora se interessou pela arquitetura?
Meus pais eram interessados em arquitetura de um modo indireto. Minha memória mais antiga da arquitetura ; provavelmente eu tinha uns 6 anos ; foi de meu tio construindo uma casa em Mossul, no norte do Iraque. O arquiteto era amigo de meu pai e ele costumava ir à nossa casa com desenhos e modelos. Eu me lembro de ver o modelo em nossa sala de estar. Aquilo despertou algo em mim. Fiquei intrigada.

Na sua opinião, por que esse ramo é tão apaixonante e atraente?
A sustentabilidade ecológica e a disparidade social são os desafios de nossa geração. A arquitetura da inclusividade oferece soluções. Nós devemos estar comprometidos em levantar padrões. Ter uma casa é crucial ; não apenas em termos de abrigo ou de necessidades básicas, mas para o bem-estar e uma vida melhor. A habitação social, os hospitais e infraestruturas vitais têm sido baseados no conceito de existência mínima ; o que não deveria ser o caso. Os arquitetos possuem as habilidades e as ferramentas para abordar temas importantes, e muitas comunidades ao redor do mundo estão comprometidas em resolvê-los. A arquitetura pode ajudar na reorganização de padrões de vida, de modo significativo, para que todos possam contribuir com uma sociedade mais ecológica e socialmente sustentável. Nós podemos criar prédios que otimizem o ambiente para atender às necessidades dos usuários e mudar padrões climáticos. Pesquisamos materiais, técnicas de projeto e métodos de construção que tragam benefícios ambientais. Como essas diferentes camadas de desenvolvimento ; sustentabilidade e aplicabilidade dos materiais ; vêm juntas, começamos a encontrar soluções para desafios ecológicos urgentes. Minha tarefa é continuar com esse progresso. Devemos casar os novos conceitos de acessibilidade e de integração com os avanços incríveis em materiais ecológicos e em práticas de construção. Não devemos olhar para partes separadas, mas entendê-las como um todo.

De todos os seus trabalhos, qual o mais fascinante?
É uma pergunta muito difícil. É como pedir a um pai que escolha qual dos filhos é o favorito. Nós temos desafios únicos em cada projeto ; o local, o uso, as exigências programáticas, o ambiente ao redor. Cada projeto é uma experiência diferente. Cada um traz entusiasmo, oportunidades, desafios, ideias, problemas a se resolver. Cada projeto é um resultado muito específico de como o contexto, a cultural local, as exigências programáticas e a engenharia inovadora vêm juntos, permitindo à arquitetura, à cidade e à paisagem se combinarem perfeitamente, tanto em termos de estratégia formal, quanto de experiência espacial.


Perfil
Nascida em Bagdá, em 1950, Zaha Hadid estudou matemática na Universidade Americana de Beirute. Em 1972, afiliou-se à Associação de Arquitetura de Londres. Sete anos depois, fundou o escritório Arquitetos Zaha Hadid, onde construiu reputação mundial com trabalhos teóricos inovadores, incluindo The Peak, em Hong Kong (1983); o Kurfürstendamm, em Berlim (1986); e a Cardiff Bay Opera House, em Gales (1994). Mostrou interesse pela relação entre arquitetura, paisagismo e geologia e usou técnicas inovadoras. Em 2004, tornou-se a primeira mulher a receber o Prêmio Pritzker. Acumulou outras honrarias, como a de Comandante da Ordem das Artes e das Letras, da França; Dama Comandante do Império Britânico; e o Prêmio Imperial, do Japão.


A primeira e única obra no Brasil
Em 2018, Zaha Hadid deixará a sua marca no Rio de Janeiro, quando o prédio conhecido como Casa Atlântica deverá ser finalizado. Único projeto no Brasil, a construção se inspirou nas formas naturais da capital fluminense, na qualidade maleável e elástica gerada pelos morros e praias dentro do tecido urbano, e no caráter dinâmico de Copacabana. De acordo com o escritório Arquitetos Zaha Hadid, o projeto da Casa Atlântica preserva ;a composição e o fluxo espacial inerentes á rica tradição modernista do Brasil, ao interagir com o tempo único e a vitalidade da cultura da praia urbana de Copacabana, bem como com a fluidez do famoso calçadão de Burle Marx;. ;Ao trabalhar dentro das restrições do local, controlando a altura e a distância dos prédios vizinhos, o projeto da Casa Atlântica estabelece uma ordem fluida, que se transforma e se expande em cada nível, a fim de definir varandas generosas;, explica o comunicado do escritório. A previsão é de que as obras comecem ainda este ano.