Buenos Aires, Argentina - Afastada da vida política desde dezembro, Cristina Kirchner compareceu nesta quarta-feira à Justiça da Argentina, na primeira causa que enfrenta em meio a um cerco judicial que a vincula a um caso de lavagem de dinheiro.
A ex-presidente transformou a audiência judicial de hoje em um multitudinário ato de oposição ao presidente Mauricio Macri.
"Podem me intimar mais 20 vezes, podem me prender, mas o que não podem fazer é me calar. Proponho formar uma grande frente cidadã. Convoquem também os dirigentes sindicais porque estão tratando a gente como cachorro", afirmou, diante de milhares de simpatizantes sob uma forte chuva.
Confiante e sorridente, Cristina entrou no tribunal de seu arqui-inimigo Claudio Bonadio, passando por uma colorida e ansiosa multidão de correligionários com bandeiras, bumbos e cartazes com dizeres contra Macri por conta das demissões e dos aumentos das tarifas.
"Todas as supostas causas que estão inventando contra Cristina são tão falsas, que vai virar um show. As medidas econômicas de Macri nos asfixiam", afirmou Alejandro Rodríguez, de 30, um trabalhador da periferia de Buenos Aires que compareceu ao comício espontâneo.
Segundo fontes do tribunal, a ex-presidente não cumprimentou Bonadio, tratando-o de "incompetente". Cristina o criticou por quase meia hora, e o juiz deixou a sala por entender que ela não responderia às suas perguntas, descreveu o jornal Clarín.
Kirchner afirmou que a acusação por causa de uma operação cambial do Banco Central durante seu mandato (2007-2015) revela "a intenção do governo, com a colaboração imprescindível do Poder Judiciário, de plantar uma causa penal que me prive da liberdade", escreveu em um documento que entregou ao juiz.
Esse primeiro grande comício de oposição ao governo de centro-direita de Macri foi transmitido quase em rede nacional pelas principais emissoras de televisão e seguido minuto a minuto pelos portais de notícias.
"Não tenho medo deles. Enfrentarei este processo e qualquer outro que queiram fabricar contra mim", postou Cristina em seu perfil no Facebook.
Além deste processo, a ex-presidente enfrenta o pedido de investigação de um procurador por suspeita de lavagem de dinheiro de um empresário amigo do casal.
A intimação judicial colocou Kirchner no centro da cena política, depois que ela se retirou pra a Patagônia (sul) desde 9 de dezembro, quando Macri assumiu a Casa Rosada.
MacristasKirchner é acusada de intervenção nas reservas do Banco Central com as "vendas de dólares a futuro", uma operação cambial realizada pelo órgão em setembro passado, auge da campanha eleitoral.
Em uma tentativa de desestimular uma desvalorização, o Banco Central fixou preços de dólar não muito altos, válidos para março de 2016
Ao assumir, Macri desvalorizou a moeda e, agora, o Banco Central tem de pagar 50% mais caro no mercado futuro.
Os demandantes são dois "macristas": o presidente do Senado, Federico Pinedo, e o da Câmara dos Deputados, Mario Negri.
O juiz acusa Kirchner, agora sem foro privilegiado, o ex-presidente do BC argentino Alejandro Vanoli e o ex-ministro da Economia Axel Kicillof de suposta "defraudação contra a administração pública".
"É um caso de denúncia política armada, onde não há acusação", disse Kicillof, ao classificar como o processo como "absurdo" em uma nota apresentada a Bonadio na terça-feira.
Chuva de processos
Uma série de denúncias judiciais agita a Argentina. Além de acusações a ex-funcionários dos governos de Néstor Kirchner (2003-2007) e de sua mulher, Cristina Kirchner (2007-2015), o presidente Macri também parece estar encrencado, após a revelação de que pelo menos duas empresas "offshore" suas estão na investigação dos chamados "Panama Papers".
"Passaram procurando a rota do dinheiro K e encontraram a rota do dinheiro M", ironizou Cristina, arrancando aplausos da multidão com seu inflamado discurso.
As acusações contra os kirchneristas vão desde enriquecimento ilícito até lavagem de dinheiro com suspeitas cruzadas de parcialidade de procuradores e juízes.
Felipe Solá, deputado da Frente Renovadora e opositor de Kirchner e de Macri, criticou na terça-feira o que considerou como "a judicialização dos temas políticos".