O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, adotou ontem uma postura ofensiva em relação à União Europeia (UE) e deixou claro que não pretende se curvar a imposições do bloco. Horas depois de o primeiro-ministro Ahmet Davutoglu anunciar a saída do governo, o líder do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP, pela sigla em turco) se negou a reformar as leis antiterrorismo do país em troca do fim da exigência de visto para turcos dentro do espaço Schengen ; a zona de livre circulação dentro da UE ;, uma das condições do acordo para pôr fim à crise migratória (veja o quadro).
Em um discurso duro, Erdogan afirmou que a Turquia está ;rodeada por organizações terroristas e pelas potências que as apoiam;. ;Agora, vocês (a UE) vêm nos dizer que, se mudarmos isso (a legislação antiterrorismo), vocês vão suspender os vistos. ;Eu sinto, nós seguiremos pelo nosso caminho, vocês que vão pelo seu. E que se entendam com quem puderem;, esbravejou. Ele acusou o bloco de, em nome da democracia, permitir que ;terroristas; erguessem tendas diante do Parlamento Europeu, uma alusão a um protesto do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), durante sua visita oficial a Bruxelas.
A retórica desafiadora de Erdogan indica que o processo de adesão da Turquia à UE poderá ser mais complicado do que se pensava. ;Eu não acho que alguém acredite que Ancara se unirá ao bloco em breve. A posição do presidente torna o acordo muito difícil. Existe o risco de o governo turco não receber os fundos da UE e de mais refugiados invadirem o Velho Continente. Erdogan acredita que a Europa precisa mais da Turquia do que o contrário, no momento;, afirmou ao Correio Amberin Zaman, especialista turca do The Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington.
Autoritarismo
Zaman disse não ter se surpreendido com o tom áspero do mandatário. ;Este é o clássico Erdogan, ao soletrar claramente que você deve fazer as coisas do jeito dele ou se afastar. Sua bravata é claramente sustentada pela ciência de que a Europa, e em particular a chanceler Angela Merkel (Alemanha), precisam desesperadamente da Turquia, a fim de manter distantes milhões de refugiados sírios. Por que a União Europeia prosseguiria com as negociações, no momento em que Erdogan está descendo rumo ao autoritarismo?;, questiona.
A especialista critica a percepção do governo turco sobre o termo ;terrorismo;. ;Sob a definição de Ancara, quase todo mundo deveria ser chamado de terrorismo, mesmo jornalistas, por entrevistarem um político curdo legalmente eleitor e por transmitirem suas visões. A legislação está voltada à supressão do livre debate, particularmente sobre o tema curdo;, ironiza Zaman. De acordo com ela, existe ;um pouco de desacordo interno; dentro da UE em relação à Turquia. ;Com Erdogan afirmando que não vai se curvar aos termos da União Europeia, a credibilidade moral do bloco pode desaparecer por inteiro;, alerta.
Por meio de seu porta-voz, Merkel declarou ontem esperar que a Turquia respeite o acordo. ;A União Europeia e a Alemanha vão respeitar, no futuro, todas as suas obrigações, e espero o mesmo da parte turca;, disse George Streiter. O demissionário premiê Ahmet Davutoglu foi um entusiasta defensor das negociações com a Europa e o principal arquiteto do pacto antimigratório firmado entre Ancara e Bruxelas. Sem Davutoglu pelo caminho, Erdogan se apressa em implantar uma república presidencialista. Ontem, ele admitiu a ;urgente necessidade; de se convocar um referendo sobre a reforma constitucional e o presidencialismo. Opositores veem uma manobra de Erdogan para fortalecer os próprios poderes e levar adiante uma islamização do país.
A Turquia sustenta ter respondido a 68 dos 72 pontos levantados pela UE e cumprido com grande parte dos critérios exigidos para a isenção de visto. Cinco pré-requisitos restantes estariam em discussão entre as partes. ;Eu não acho que haverá problemas sobre estas condições;, declarou uma autoridade turca, em condição de anonimato.
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