Agência France-Presse
postado em 10/05/2016 16:19
Paris, França - Diante do bloqueio dos deputados de esquerda, o governo francês decidiu nesta terça-feira adotar, sem a votação do Parlamento, sua polêmica reforma da lei trabalhista, contra a qual se multiplicam manifestações há dois meses.
O presidente François Hollande convocou para o início da tarde um Conselho de ministros que autorizou o recurso do governo ao artigo 49-3 da Constituição, que permite evitar o voto do Parlamento ao invocar a responsabilidade do governo.
Agora, se nenhuma moção de censura for aprovada, o texto será adotado sem qualquer outra formalidade.
O primeiro-ministro Manuel Valls anunciou pouco depois na Assembleia Nacional o recurso a este artigo, argumentando que "a reforma precisa ser feita" e que "o país deve avançar".
A reforma trabalhista, apresentada como último grande projeto do mandato do presidente Hollande, provocou uma série de protestos em todo o país.
Desde 9 de março, sindicatos e estudantes organizaram meia dúzia de manifestações nacionais, muitas das quais foram marcadas por violência, embora os protestos tenham gradualmente diminuído em número ao longo do tempo.
Partilhando as preocupações dos manifestantes, vários deputados de esquerda indicaram que não votariam o projeto de lei.
Sem maioria sobre este texto, o governo decidiu usar a arma constitucional 49-3, já utilizada em 2015 para passar uma reforma econômica impulsionada pelo ministro da Economia Emmanuel Macron.
A oposição de direita, minoritária na Assembleia Nacional, já anunciou a sua pretensão de apresentar uma moção de censura, assim como os comunistas e o líder da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon.
Os deputados socialistas, chamados de "rebeldes" por serem contrários à guinada liberal da política de Hollande, devem se reunir para decidir "coletivamente" sua posição, segundo indicou um deles, Christian Paul.
A reforma pretende, segundo o governo, dar mais flexibilidade às empresas para lutar contra um desemprego de massa (mais de 10%), mas tem sido considerada muito liberal pelos seus detratores.
O texto confere maiores poderes às empresas em termos de organização do tempo de trabalho e de dispensa.
Os críticos argumentam que ela aumentará a precariedade trabalhista.
Fontes do governo socialista anunciaram nesta terça-feira que uma das medidas mais polêmicas do projeto de lei, a demissão por motivos econômicos, não será incluída.
As grandes empresas francesas não poderão, portanto, se limitar a apresentar dificuldades para despedir seus funcionários.
"Insulto ao povo"
Há dois meses, sindicatos de trabalhadores e estudantes se manifestam contra o projeto. Como parte dessa mobilização, nasceu o movimento cidadão "Nuit debout", que ocupa a emblemática Place de la Republique, em Paris, e outros lugares em várias cidades.
Logo após o anúncio da decisão do governo, o "Nuit debout" afirmou em um comunicado que a aprovação da lei trabalhista sem o voto do Parlamento é "um insulto ao povo".
"Esta negação da democracia depois de um movimento social que reuniu centenas de milhares de pessoas nas ruas, nas empresas, nas universidades, nas escolas secundárias e nas praças da França, é um insulto para o povo", indicou o movimento.
O sindicato CGT disse em comunicado que a atitude do governo se trata de uma "verdadeira vergonha" e de uma "negação da democracia". Para o sindicato, o governo "desvaloriza os assalariados e os cidadãos".
Várias centrais sindicais e organizações estudantis convocaram um novo dia de mobilização e protestos para quinta-feira.
Com a decisão tomada nesta terça-feira de impor a lei contornando o debate parlamentar, o governo francês, já impopular, corre o risco de aumentar o já crescente descontentamento dos seus próprios eleitores.
E compromete ainda mais as chances da esquerda na eleição presidencial de 2017.