Mundo

Conheça Rodrigo Duterte, o polêmico presidente eleito das Filipinas

Sem experiência na política nacional, o ex-prefeito de Davao assume a Presidência com o desafio de ampliar os avanços econômicos, pôr fim a um conflito com insurgentes que dura décadas e evitar tensões diplomáticas devido ao estilo linha-dura

postado em 30/05/2016 15:00

Rodrigo Duterte comandará o Executivo em uma semana. Ele escolhe os últimos nomes do gabinete e admite que poderá ter dificuldades com questões econômicas e de política externa

A equipe do presidente virtualmente eleito das Filipinas, Rodrigo Duterte, criou um protocolo de segurança para limitar o assédio de eleitores e entusiastas que o cercam com demonstrações de carinho e pedidos de selfies. Duterte, que por 22 anos foi prefeito de Davao, no sul do arquipélago, ascendeu ao cargo máximo da política nacional no começo do mês, após liderar uma campanha populista, com a promessa de tolerância zero contra criminosos.

Ao contrário da maioria dos políticos filipinos, Duterte mantém uma vida simples, dirige um carro usado e, há décadas, vive na mesma casa. Sua eleição é um reflexo do cansaço dos eleitores filipinos com a política tradicional, dominada por clãs familiares e marcada por corrupção e desequilíbrios sociais endêmicos.

;Ele não é tão inteligente, articulado ou cortês como os políticos clássicos, mas, se olharmos para o país, não houve muito progresso, a democracia não funciona para todas as classes, e os eleitores pensam que alguém que se pareça com eles pode mudar essa situação;, avalia o professor adjunto da Universidade das Filipinas, Aries Arugay.

O professor faz um paralelo entre a ascensão do líder filipino e a de políticos sul-americanos que chegaram ao poder na virada do século com propostas de redução da desigualdade social ; como Hugo Chávez, na Venezuela; Evo Morales, na Bolívia; e Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil.

Antiestablishment e sem experiência na polícia nacional, Duterte admite abertamente ter limitações em áreas como economia e política externa. Recentemente, prometeu continuidade ao projeto econômico do atual governo, liderado por Benigno Aquino III, que acumulou dados muito positivos no setor. Entre janeiro e março deste ano, o Produto Interno Bruto (PIB) das Filipinas ultrapassou o da China, com um crescimento de 6,9%, uma herança que aumenta a responsabilidade de Duterte em manter a fase de bonança. O maior desafio na área é fazer os avanços chegarem a classes e regiões historicamente negligenciadas e implementar reformas sem polarizar o país.

Unidade
O cineasta John Torres, morador de Manila, diz não ser um apoiador do governo eleito, mas comemora a relativa calma do processo eleitoral. ;Foi um alívio o fato de as votações terem sido apuradas com rapidez e sem grandes turbulências;, afirma. Preocupado com o histórico de direitos humanos de Duterte e com a pouca atenção destinada à cultura, Torres classifica o momento atual como apreensivo, mas diz ter ;esperança de que muito do que Duterte defendeu em campanha seja apenas parte da construção de uma imagem política;. Ele destaca a expectativa de que o líder ;seja um presidente unificador;.

Um dos primeiros gestos do político após a apuração foi o de estender a mão à insurgência de extrema esquerda, que há décadas combate nas Filipinas. Na juventude, Duterte chegou a integrar uma organização comunista e, agora, quer iniciar um processo de paz com o grupo, deixando quatro ministérios sob responsabilidade do Partido Comunista Filipino: o do Meio Ambiente e da Natureza, o da Reforma Agrária, o do Bem-Estar Social e o do Trabalho.

A oferta foi bem recebida, e o partido respondeu estar disposto a colaborar em um governo dedicado a um acerto de paz. O fundador da legenda, Jose Maria Siso, há três décadas vive exilado na Europa e, com a vitória de Duterte, anunciou que pretende voltar para casa. O presidente eleito anunciou que sua intenção é ;conversar com ele sobre como resolver o problema da insurgência;.

Um acordo entre o governo e os comunistas colocaria fim ao longo conflito que deixou cerca de 40 mil vítimas nas Filipinas e seria um dos mais importantes legados de Duterte à frente da Presidência. ;Críticos à iniciativa dizem que isso não será bem-visto pelos militares, que por anos combateram a insurgência, e que poderia desestabilizar o país. Mas os militares também estão cansados dessa situação e têm questões mais urgentes a tratar, como a fronteira com a China e tensões regionais;, defende Arugay.

Novas relações com a China
As estratégias de política externa do próximo governo são uma incógnita, mas Duterte deu indicações de que a relação do país com a China pode mudar. De seu modo pouco diplomático, disse que, se conversas com o governo chinês sobre o território em disputa no Mar da China Meridional não funcionarem, navegará até o local para colocar uma bandeira filipina. A declaração foi apontada como mais uma de suas polêmicas, mas a verdade é que o novo presidente era o candidato que mais agradava Pequim. Ao contrário do atual presidente, que se aproximou mais de Washington e endureceu a postura em relação à China, ele se mostra mais aberto a negociações com o vizinho, o que pode forçar uma mudança na configuração de poder na região.

Estilo comparado com o de Trump

Rodrigo Duterte não tem travas na língua. Comparado ao candidato republicano que disputa a Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, ele fez declarações polêmicas e acumulou o próprio legado de bizarrices durante a campanha. Apesar de analistas apontarem mais diferenças do que similaridades entre os dois políticos, ambos conquistaram apoio nacional com uma postura linha-dura e promessas de soluções rápidas.

;A todos vocês que andam com drogas, a vocês filhos do diabo, a verdade é que vou matá-los;, disse Duterte em um discurso quando ainda era apenas candidato ao Executivo. O político defende não ter ;meio-termo; e afirmou que ;ou me matam ou eu mato todos esses idiotas;. Duterte anunciou que pedirá ao Congresso o restabelecimento da pena de morte, prometeu não ter piedade de criminosos e alertou que fechará o parlamento caso os legisladores não concordem com propostas do governo.

A fama de durão e de ;mão de ferro; rendeu a ele o apelido de ;o castigador;, mas grupos de direitos humanos alertam que, ao contrário do que o ex-prefeito defende, sua performance no comando da cidade não derrubou as taxas de criminalidade. Duterte é acusado de apoiar grupos de extermínio suspeitos de assassinar milhares de supostos criminosos. Durante a campanha, prometeu reduzir as taxas de violência em no máximo seis meses, mas analistas o rebateram alertando ser um prazo irreal.

Grosserias
Uma de suas declarações mais chocantes foi um comentário debochado sobre o estupro da missionária australiana Jaqueline Hamil. Ela trabalhava em uma prisão em Davao, em 1989, quando uma rebelião estourou no local. Foi feita refém e, assim como todas as mulheres que estavam na prisão, brutalmente estuprada. Duterte, que era prefeito da cidade à época, tentou fazer piada sobre o assunto durante um pronunciamento. ;Quando vi seu rosto, pensei: Merda. Que lástima! A estupraram e fizeram fila para isso, foi terrível. Era tão bonita; O prefeito deveria ter sido o primeiro!”

As constantes grosserias do político enfureceram a Igreja Católica, mais um alvo dos comentários sem freios de Duterte. Em novembro, durante uma visita do papa Francisco às Filipinas, ele chamou o pontífice de ;filho da puta; por ter provocado engarrafamentos no trânsito de Manila. Representantes da Igreja criticaram a fala desrespeitosa e Duterte se desculpou por escrito. Um assessor chegou a informar que ele iria ao Vaticano pedir desculpas pessoalmente, mas o político voltou atrás e afirmou que considera o assunto resolvido. Cerca de 80% dos filipinos se identificam como católicos.

O xingamento destinado ao papa também foi usado contra adversários políticos, como o atual presidente, Benigno Aquino III. O mandatário, que apesar da alta popularidade não conseguiu emplacar seu candidato à sucessão, Manuel ;Mar; Roxas, outro membro de uma dinastia política local, alertou contra o radicalismo de Duterte. ;Espero que tenhamos aprendido as lições da história e que nos lembremos de como Hitler chegou ao poder;, declarou Aquino durante a campanha, quando acusou Duterte de ser ;um ditador em potencial;

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação