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Turquia pode usar base estratégica como moeda de troca com os EUA

Um responsável turco julgou, no entanto, que o episódio não terá "um impacto significativo sobre as operações da coalizão internacional" antijihadista liderada pelos Estados Unidos

Agência France-Presse
postado em 18/07/2016 12:57
Ancara, Turquia - Ancara pode cair na tentação de utilizar a base estratégica de Incirlik, a partir da qual são coordenados os ataques aéreos contra o grupo extremista Estado Islâmico (EI) na Síria, como moeda de troca em suas relações com Washington, tensas após o golpe de Estado frustrado na Turquia. No entanto, para os analistas, esta jogada pode ser arriscada para os interesses de Ancara. Localizada no sul da Turquia, na província de Adana, próxima à fronteira síria, Incirlik é uma plataforma ideal para os ataques americanos em território sírio contra o EI.

Washington obteve em 2015, após trabalhosas negociações com a Turquia, a autorização para situar suas aeronaves ali. Antes precisava operar de mais longe, de bases localizadas na Jordânia e no Kuwait. Mas a tentativa de golpe frustrada de sexta-feira na Turquia jogou um novo balde de água fria nas relações entre Ancara e Washington, devido ao destino reservado a Fethullah Gulen.

Este pregador muçulmano é acusado de ser o instigador do golpe pelo presidente turco Recep Tayyip Erdogan, que no domingo pediu ao seu colega americano, Barack Obama, sua extradição à Turquia. As autoridades turcas se irritam até hoje com o acolhimento dado desde 1999 pelos Estados Unidos a este ex-aliado de Erdogan, convertido em seu inimigo jurado. O ministro do Trabalho turco, Suleyman Soylu, chegou a afirmar que os Estados Unidos estiveram "por trás da (tentativa de) golpe de Estado".

[SAIBAMAIS]Alguns temem que Ancara ceda à tentação de colocar Incirlik na balança para que Gulen, que desmente qualquer envolvimento na tentativa de golpe, seja extraditado. Ozgur Unluhisarcikli, diretor do German Marshall Fund em Ancara, ressalta que o clima ficou mais tenso entre Washington e seu difícil aliado do flanco sudeste da Otan devido ao apoio americano às milícias curdas que combatem os jihadistas na Síria. "A situação só pode piorar se Washington não responder às demandas turcas de extraditar Gulen", afirma à AFP.



Nesta segunda-feira em Bruxelas, o secretário de Estado americano, John Kerry, ressaltou que Ancara deve mostrar "provas, e não alegações", contra este opositor de 75 anos que vive recluso no nordeste dos Estados Unidos.

Não seria inteligente
A Turquia exige a extradição de Gulen desde a revelação em 2013 de um vasto escândalo de corrupção que afeta Erdogan, e que para Ancara foi provocado por "gulenistas" infiltrados na polícia e na justiça turcas. Mas para Soner Cagaptay, diretor de estudos turcos no Washington Institute, Incirlik não constitui um ativo suficientemente importante para que os Estados Unidos cedam às demandas turcas. "O acesso à base é importante para as operações americanas contra o EI, mas não é indispensável", julga.

Na sua opinião, os Estados Unidos sempre teriam a possibilidade de voltar às bases jordanianas e kuwaitianas, de onde "controlavam muito bem as operações" antijihadistas antes de 2015. O risco para a Turquia seria cortar a relação de associação com os Estados Unidos nas operações contra o EI, "algo que não seria astuto", considera Unluhisarcikli. Também utilizada pela Otan, Incirlik foi fechada após a tentativa de golpe da noite de sexta-feira, suspendendo, antes de sua reabertura no domingo, os ataques na Síria. Um comandante da Força Aérea turca e uma dezena de outros supostos amotinados foram detidos.

Nesta segunda-feira, promotores e policiais fizeram buscas na base. Um responsável turco julgou, no entanto, que o episódio não terá "um impacto significativo sobre as operações da coalizão internacional" antijihadista liderada pelos Estados Unidos. "A Turquia é um membro ativo desta coalizão", lembrou sob condição de anonimato. Questionado no domingo sobre a confiabilidade de Ancara em matéria de cooperação contra o EI, o chefe da diplomacia francesa, Jean-Marc Ayrault, considerou que "algumas perguntas são necessárias".

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