postado em 27/07/2016 16:45
A recente decisão do Tribunal Permanente de Arbitragem (TPA), que acolheu a reivindicação filipina na disputa com a China sobre a presença do gigante asiático no Mar da China Meridional, reacendeu temores sobre a escalada de tensões na região. Seis países reivindicam soberania na área ; Brunei, China, Filipinas, Indonésia, Malásia e Taiwan ; e disputam entre si o direito de exploração das pequenas ilhas, das águas e dos recursos naturais de partes convergentes da região. A decisão do tribunal, inédita sobre a questão, foi acompanhada com cuidado por todos os envolvidos e pode determinar os rumos da disputa.
Para os cinco juízes que avaliaram o caso, Pequim não tem base legal para exigir ;direitos históricos; no Mar da China Meridional. Segundo eles, apesar de pescadores e navegadores chineses terem ocupado o lugar ao longo dos anos, a região também foi explorada por cidadãos de outros países, e não há evidências de que a China tenha exercido, em algum momento, controle exclusivo dos recursos.
O diretor acadêmico das Faculdades Rio Branco e pesquisador de assuntos asiáticos da Universidade de São Paulo (USP), Alexandre Uehara, afirma que o processo filipino pode influenciar a iniciativa de outros países de procurar um embasamento judicial para suas causas. ;É provável que outros sigam esse caminho porque, agora, há uma jurisdição;, explica. O papel da Corte, no entanto, não deve resolver o problema regional.
Interessados no Mar da China foram rápidos em destacar a importância de uma resolução dialogada. Por pressão de Pequim, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) evitou declaração conjunta apoiando o entendimento do TPA. Quatro dos dez países-membros do bloco estão envolvidos em disputas na região ; Brunei, Filipinas, Indonésia e Malásia. Segundo o pesquisador de política e assuntos de segurança chinesa Dean Cheng, da Fundação Heritage, a postura chinesa sugere que Pequim ;redobrará os esforços para dividir os dez membros da Asean, explorando divergências entre eles;.
Apesar da pressão, um porta-voz da chancelaria vietnamita comentou o caso e disse que o país ;apoia com determinação a solução de disputas por meios pacíficos, incluindo processos legais e diplomáticos;. Em comunicado, o governo da Malásia pediu esforços para que ;todas as partes relevantes possam, pacificamente, resolver as disputas com pleno respeito aos processos diplomáticos e jurídicos, do direito internacional e da Convenção de 1982 das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM);.
Choque
Desde o início da arbitragem em Haia, a China rejeitou a legitimidade do TPA para decidir sobre a questão e, agora, anunciou que não cumprirá a decisão. O país chegou a elevar o tom, advertindo para possível confronto, caso as Filipinas não desistissem de negociar com base no resultado do tribunal, o que foi visto como uma mensagem não apenas para Manila, como para todos os demais interessados na área.
;O tom de ameaça da China não importa mais, pois a comunidade internacional sabe exatamente como lidar com a situação, e a China ameaça sua boa imagem na família das nações;, defende o embaixador filipino em Brasília, Jose Dela Rosa Burgos (leia entrevista). ;A decisão do tribunal arbitrário é um marco que muda a situação geopolítica não apenas da região, mas do mundo, porque influencia outras questões territoriais;, completa, ressaltando a disponibilidade do país para o diálogo.
Mesmo sem reconhecer a validade da arbitragem, a decisão do TPA foi um choque para o ;orgulho nacional e as ambições; chinesas, destaca a consultora sênior para a Ásia e diretora do Projeto China Power no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, pela sigla em inglês), Bonnie Glaser.
A estratégica do presidente Xi Jinping em curto e médio prazo na região será decisiva para a relação com os vizinhos do Sudeste Asiático. Se optar por aumentar o controle marítimo e aéreo, o risco do conflito militar pode se tornar mais alto. ;Uma resposta exaltada da China é mais provável caso Pequim se sinta preocupado com os EUA e com seus aliados;, argumenta Glaser, em artigo para o Instituto Lowry, centro de políticas internacionais baseado em Sidney.
;Nenhum país quer um confronto com a China, nem os Estados Unidos, que têm forte presença nessa região. E a China sabe de seu poder e da dependência econômica de alguns vizinhos;, explica Uehara. ;Acredito que as consequências dessa decisão ficarão apenas no discurso, mas política e diplomaticamente isso significa um desgaste;, ressalta Uehara.
O revés para a China
A importância militar e econômica da China é uma vantagem do gigante asiático, que ao longo dos anos investiu na instalação de radares, na construção de pistas de pouso e até no reforço de ilhas naturais, com o acúmulo organizado de areia. A intensificação da exploração chinesa da área, no entanto, ocorre em meio a processos de reivindicação de soberania, feito por vizinhos menores, que também dividem o Mar da China Meridional. A decisão do Tribunal Permanente de Arbitragem (TPA), que tem sede em Haia, não determina fronteiras nacionais ou soberania no território em disputa.
A China se recusou a participar da arbitragem, iniciada pelas Filipinas em 2013, de forma unilateral. Segundo a decisão da Corte, não existe fundamento legal para a reivindicação chinesa com base na ;linha de nove traços; defendida por Pequim. De acordo com a medida estabelecida pela China, o país tem o direito de explorar centenas de milhas ao leste e ao sul de seu território, o que converge com as zonas econômicas exclusivas dos vizinhos.
O tribunal avaliou diferenças entre ilhas e rochas para determinar se elas podem sustentar habitações humanas e, assim, permitir direitos marítimos. Uma das áreas em discussão, as Ilhas Spratley, foram consideradas como ponto de uso transitório de pescadores e mineiros, ao contrário do que é sustentado por Pequim. A conclusão dos juízes foi de que nenhum dos recursos naturais reivindicados pela China poderia criar zonas econômicas exclusivas e, portanto, não provocam sobreposição com a área de direito filipina.
O resultado, no entanto, não tem força vinculante. Autoridades chinesas defendem a volta à mesa de negociações, mas querem dispensar a decisão do tribunal, por não concordarem com a forma com que o processo foi desenrolado.
Entrevista - Embaixador das Filipinas: Jose Dela Rosa Burgos
"A paz é a prioridade"
Como as Filipinas pretendem negociar suas revindicações na região?
Como foi antecipado pelo governo filipino, a China permanecerá firme na posição de não honrar a decisão do Tribunal Arbitrário de Haia. Recentemente, a China começou a cortejar as Filipinas para negociações bilaterais e disse que se as Filipinas negociarem com a China de acordo com a decisão do tribunal, as Filipinas aumentam o risco de confronto com a China. Esse tom agressivo de ameaça não importa mais, pois a comunidade internacional sabe exatamente como lidar com a situação. A China ameaça sua boa imagem na família das nações.
Qual a prioridade filipina e o que o país espera conseguir na região?
A primeira prioridade é a paz, o fluxo desimpedido para o comércio internacional de bens (que equivale a US$ 5 trilhões anuais), a liberdade de navegação e o sobrevoo, a preservação de espécies marinhas em perigo, a proteção no ambiente marinho e da biodiversidade, e a continuidade da subsistência de pescadores pobres da área. Quatro dos dez países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), que é o epicentro de um das regiões mais dinâmicas e em progresso do mundo hoje pode ser um sinal de alívio de que seus sonhos de um futuro melhor não serão desperdiçados apenas por causa de uma disputa inoportuna e persistente com o gigante asiático.
Qual a resposta de Manila à advertência chinesa de que a disputa pode se tornar um confronto caso as Filipinas insistam na decisão do tribunal?
As Filipinas são um firme defensor do respeito à lei. A decisão do tribunal é final, não cabe apelação, e não precisamos pressionar a China para que a respeite. Temos uma margem muito estreita para diálogo e vamos consultar nossos aliados para saber qual a melhor forma de prosseguir.
Na semana passada a China supostamente revelou uma foto de um avião bombardeiro H-6K voando sobre o recife de Scarborough. Qual a reação das Filipinas a essa demonstração chinesa?
O voo foi confirmado por imagens de satélite e, sim, as Filipinas estão muito preocupadas. O recife de Scarborough, também chamado de Panatag, fica a oeste de Luzon, que está dentro das 200 milhas náuticas da zona econômica exclusiva das Filipinas. O voo sobre a região é uma clara infração da soberania nacional por parte da China. As ações chinesas estão sendo monitoradas e capturadas via satélite e vão servir como evidência dos continuados excessos e das táticas de assédio na região.
Nesta semana, o presidente Rodrigo Roa Duterte foi citado alertando que as Filipinas não honrarão o acordo sobre mudança climática assinado em Paris. O que o país está fazendo para controlar a emissão de gases-estufa?
Essa questão precisa de mais clarificações, uma vez que as Filipinas são tidas como um dos principais combatentes da mudança climática. A minha opinião, pessoal, é que talvez o presidente quisesse dizer que as disposições relativas ao prazo de cumprimento na emissão de gases de efeito estufa podem ser um fardo muito pesado demais para as Filipinas, de tal modo que afetariam a subsistência de pobres e desprivilegiados. Em resumo, há uma necessidade de os membros do Acordo de Paris para as Mudanças Climáticas darem às Filipinas o tempo que precisamos para cumprir com as disposições sobre as emissões de gases de efeito estufa. (Gabriela Walker)