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Primeira mulher a governar província no Afeganistão enfrenta desafios

"As pessoas dizem ser abertas, mas a maioria não pode suportar uma mulher ocupando uma posição assim", confidencia à AFP a líder de 37 anos

Agência France-Presse
postado em 01/08/2016 11:04
Nili, Afeganistão - Cercada por assessores homens, galantes e condescendentes, a afegã Masooma Muradi luta contra o sexismo mal disfarçado em uma sociedade pouco acostumada com mulheres ocupando espaços de autoridade.

Muradi foi a primeira - e a única até hoje - mulher a ocupar o cargo de governadora da província isolada de Daikundi, no centro do Afeganistão, quebrando um tabu em um país de arraigados costumes patriarcais.

Mas menos de um ano após a nomeação pelo presidente Ashraf Ghani, seu trabalho já foi ameaçado pelas insistentes reclamações de mulás e líderes religiosos para tirá-la do governo, o que ilustra o quanto difícil é ser uma mulher em um mundo dominado por homens.

"As pessoas dizem ser abertas, mas a maioria não pode suportar uma mulher ocupando uma posição assim", confidencia à AFP a líder de 37 anos, sentada em um sofá estofado em seu gabinete, em Nili, a capital provincial, entre um buquê de girassóis artificiais e o retrato de uma criança.

[SAIBAMAIS]"Eu não deixo intimidar pelos homens e a sociedade não espera isso de uma mulher", declara a mulher, pequena, de um metro e meio de altura, cujos gestos delicados escondem uma enorme determinação para resistir.

Mãe de dois filhos, Muradi foi escolhida pelo chefe de Estado para dirigir Daikundi, uma província com lagos, colinas verdes e picos rochosos, rodeada por outras províncias devastadas pela insurgência islâmica. Os protestos contra ela começaram antes mesmo que assumisse o cargo. Seus adversários, a maioria homens, justificavam sua não aceitação pela falta de experiência da candidata.

Mas Muradi manteve a cabeça erguida, embora o ressentimento em realção a ela ainda fosse palpável quando a AFP acompanhou a governadora recentemente durante uma caminhada em Nili, escoltada por guardas, armados com fuzis Kalashnikov. "Inútil", solta um homem em seu caminho. "Talvez deva ser governadora das mulheres", reclama outro.

Um clube de homens
As mulheres fizeram alguns progressos desde o fim do regime talibã em 2001, mas permanecem em grande parte ausentes na vida pública, embora a "hashtag" #WhereAreTheWomen seja amplamente utilizada nas redes sociais no Afeganistão.

"Neste país, nem todos estão dispostos a ser governado por uma mulher" por causa das tradições, ressalta Douglas Keh, chefe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Afeganistão.

"Aquelas que desempenham papeis de responsabilidade precisam de todo o apoio que possa ser dado", afirma. Em uma reunião do Conselho Provincial, Somaya Mohammadi era a única mulher entre uma dúzia de homens. Quando tentava falar, o homem que presidia a reunião mandava ela ficar em silêncio com a mão.

Somente quando um representante do PNUD pediu a sua opinião, conseguiu falar. "Eu acabo de substituir um homem no conselho provincial", começa Somaya. "Fale também dos problemas dos homens", corta o presidente da sessão com desprezo, provocando risos da plateia.

Mais firmeza
Daikundi é uma das 34 províncias do Afeganistão mais difíceis de governar, com um desemprego endêmico e uma economia baseada em uma pequena cultura da amêndoas.

"Nós temos escolas, mas a maioria sem edifícios; hospitais, mas muitos sem médicos suficientes", explica Haji Rasuli, vendedor de Nili. "Eu apoio a emancipação das mulheres, mas será que ter uma como governadora vai resolver os nossos problemas?", pergunta.

Ashraf Ghani nomeou quatro mulheres para posições ministeriais desde que chegou ao poder em 2014. No ano passado, pela primeira vez na história do país, escolheu uma para presidir o Supremo Tribunal. Mas o Parlamento rejeitou sua nomeação, colocando um homem no lugar.



"Para dar um verdadeiro papel de liderança para as mulheres, Ghani deveria ser mais firme quando alguém se opõe", considera Heather Barr, uma pesquisadora sobre os direitos das mulheres na organização Human Rights Watch (HRW). "Mas isso nunca aconteceu", acrescenta.

Pelo menos Masooma Muradi pode contar com o apoio de um homem, seu marido: ao voltar para casa à noite, seu marido, Jalil Muradi, recebe-a dizendo "o jantar está pronto", algo muito estranho de um marido afegão. Ele também recebe uma dose de comentários sexistas. "As pessoas me dizem que sou sua secretária ou babá", relata, "mas eu estou muito orgulhosa dela", diz ele.

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