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Ministro alemão defende proibição parcial da burca: 'Mostrem o rosto'

Rodrigo Craveiro
postado em 20/08/2016 06:00


Até que ponto uma sociedade laica e democrática tem o direito de legislar sobre a fé? No momento em que a Europa discute o uso do burkini ; traje de banho adaptado ao islã ; e menos de um mês depois de uma série de atentados no país, o ministro do Interior da Alemanha, Thomas de Maizi;re, defendeu a proibição parcial da burca (veja quadro) com declarações polêmicas. ;Nós rejeitamos o véu inteiro, não apenas a burca, mas outras formas de véu inteiro, em que somente os olhos sejam visíveis;, afirmou, durante evento organizado por membros da União Democrata Cristã (CDU), partido da chanceler, Angela Merkel, e União Social-Cristã (CSU). ;Isso não se encaixa em nossa sociedade aberta. Exibir o rosto é elemento constitutivo para nossa comunicação, para o mundo em que vivemos e para a nossa coesão social. Nós apelamos a todos para que mostrem o rosto. (;) Quem quiser trabalhar no serviço público não poderá fazê-lo enquanto usar o véu completo.;

Em entrevista ao complexo midiático Redaktionsnetzwerk Deutschland, Merkel tentou justificar a posição da CDU. ;Da minha perspectiva, uma mulher totalmente coberta pelo véu, na Alemanha, tem poucas chances de se integrar à sociedade;, declarou.

Porta-voz do Conselho Central dos Muçulmanos da Alemanha (ZMD), S. Al-Sayad lembrou à reportagem que, dez anos atrás, a entidade tinha se pronunciado a favor da aceitação dos véus ; sem o rosto escondido ; nas escolas e nas repartições públicas. ;A discussão sobre a burca desvia a atenção dos nossos problemas, além de ser uma proposta incompatível com a Constituição;, comentou, por e-mail.

Marwan Muhammad, diretor do Coletivo contra a Islamofobia na França, afirmou ao Correio temer que a Alemanha caia na mesma armadilha que a França, em referência ao veto do burkini em praias de Cannes e da Córsega. ;Ao pensar que vai ;acalmar; a extrema-direita, o governo Merkel comete o maior dos erros políticos. Não há retorno depois que se abre mão das liberdades fundamentais em troca de benefícios políticos.; A Alemanha abriga 4 milhões de muçulmanos, ou 5% da população.

Para Ino Augsberg, professor de direito público da Universidade de Kiel, a 350km de Berlim, o debate esconde uma questão polêmica: se o islã pertence à Alemanha. ;O islã surge como fenômeno individualizado, cuja coexistência pacífica com as denominações religiosas é levada em consideração. A proibição do traje é o lado negativo do que, em sua forma positiva, pode ser visto como a tentativa de levar os estudos islâmicos às universidades. A ideia é explorar teólogos islâmicos que apresentem a versão iluminada do islã, ao proporem a leitura crítica de fontes históricas. Isso é contestado no seio da comunidade muçulmana local;, alertou, por e-mail.

O intelectual reconhece que o veto à burca interfere no conceito da liberdade religiosa, mas não significa uma violação. ;Limitações da liberdade de crença podem ser justificadas, caso valores constitucionais estejam em jogo. Por esse ângulo, a proibição da burca pode ser tratada como instrumento de proteção da liberdade individual e da dignidade das mulheres, dentro de um ambiente dominado pelo homem, em vez de uma supressão da liberdade religiosa;, observa Augsberg.

Segundo ele, ao levar em conta a declaração de Merkel, a medida pode ser vista como uma tentativa de oferecer às muçulmanas a chance de encontrar o seu caminho na sociedade moderna. No entanto, Augsberg admite o risco de reforço da tensão e da segregação entre a comunidade muçulmana e o restante da sociedade. ;O que precisamos é de um processo de compreensão mútuo.;

Burkinis
Decisões repressoras são malvistas por ativistas e lideranças islâmicas. Na França, Marwan Muhammad alerta que banir o burkini equivale a alvejar as muçulmanas. ;Houve casos em que cidadãos as insultaram e as molestaram; depois, usaram a proibição como desculpa. O veto do traje de banho potencializa o ódio aos muçulmanos;, desabafa o diretor do Coletivo contra a Islamofobia na França.

Por sua vez, Izzeddine Elzir, o imã de Florença (Itália) que polemizou ao publicar uma imagem de freiras na praia (veja foto acima), fez uma referência à tríade da Revolução Francesa ao condenar o cerco ao burkini. ;Lamento que a França de hoje nada esteja fazendo pela fraternidade e pela igualdade. Nós precisamos trabalhar juntos, para afirmar os valores da liberdade, não a proibir.;

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