Agência France-Presse
postado em 26/08/2016 16:53
Planadas, Colômbia - Esperanza Rivera foi criada nas mesmas montanhas da Colômbia onde nasceram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), mas para muitos no berço da guerrilha, o acordo de paz alcançado com o governo gera mais incertezas do que certezas.[SAIBAMAIS]"O que queremos é que seja assinada a paz e que o plebiscito ganhe, para que haja paz", assegura Rivera à AFP na praça das Planadas, um município do centro do país onde em 1964 um levantamento camponês deu origem as Farc (marxistas).
Na verde e intrincada zona rural de Planadas, esta camponesa de 41 anos adverte que começou a surgir "outro conflito, que não se fala, porque enquanto havia a guerrilha, aqui no campo se fazia respeitar muitos dos ladrões e agora, como os ladrões não terão a quem temer, nós ficaremos desprotegidos".
"No campo a polícia não chega, não chega nenhuma outra força para nos defender da delinquência comum. Aqui os bandidos temiam muito a guerrilha e então não roubavam nem uma galinha porque havia quem os castigasse", disse, ao pedir que com a paz chegue "mais ajuda do governo, que nos deixa muito abandonados".
Após quase quatro anos de negociações, as Farc e o governo de Juan Manuel Santos selaram um histórico acordo em Havana para acabar com um conflito armado de mais de meio século, cuja aplicação dependerá do resultado de um plebiscito marcado para o dia 2 de outubro.
O enfermeiro de Tirofijo
Sob o sol ardente de meio-dia em Planadas e com o incessante canto das cigarras de fundo, Jorge Ardila afirma querer a paz, mas não esconde suas dúvidas sobre o negociado.
"Não acredito que no universo haja alguém que não queira a paz, inclusive mesmo os violentos a querem buscando esse caminho da tranquilidade pra eles e sua família, mas antes de me pronunciar devo conhecer o que são esses acordos", explica.
Aos 59 anos, Ardila, como tantos outros moradores da área, teve contato com a guerrilha e inclusive assegura que seu pai "foi enfermeiro de Tirofijo", Manuel Marulanda, o líder fundador das Farc, cujo nome verdadeiro era Pedro Antonio Marín, falecido em 2008 por aparente causa natural.
"A ele deram o nome de enfermeiro em Marquetalia", conta sobre o local de Planadas onde um grande confronto entre o Estado e os camponeses que pegaram em armas levou à conformação das Farc.
"E não foi apenas enfermeiro de Tirofijo, mas também do Exército. Prestou todos os serviços de medicina ao Exército e, de forma clandestina, à guerrilha", acrescenta sobre seu pai, Pedro Antonio Ardila.
Mais armas que enxadas
Mais duro e reservado ainda sobre o acordo com as Farc, Eustacio Jiménez diz que "fazer a paz na Colômbia é muito difícil porque há muita pobreza, muito desemprego". E aponta que, ainda que negociar seja bom, não haverá paz se isso não é negociado.
"O que vai acontecer é mais derramamento de sangue", sentencia este homem de 75 anos, pouco otimista, entre outras coisas porque "há mais gente com armas do que trabalhando no campo".
Jiménez, camponês a vida inteira, conhece a dedo as montanhas que rodeiam Planadas e que foram durante décadas "corredores" das Farc, porque conectam o departamento de Tolima com outros territórios: Cauca, Valle del Cauca e Huila.
A vantagem geográfica atraiu a guerrilha, mas também outros grupos armados atores do conflito. Por conta disso, muitos moradores do local ainda hoje optam por não falar o que pensam.
"É que aqui existem umas oito, nove leis: da guerrilha, dos paramilitares, dos grupos...", diz um morador que prefere não ser identificado.
Segundo os especialistas, é real a possibilidade de que o vazio deixado pelas Farc seja preenchido por outros grupos armados ilegais, como o Exército de Libertação Nacional (ELN), nascido em 1964 e ainda ativo, ou grupos criminosos surgidos de remanescentes das milícias irregulares de direita, desmobilizados entre 2003 e 2006.
"Temos na Colômbia a experiência, não só há dez anos com a desmobilização paramilitar, como nos anos 1990 com acordos de paz com outros grupos guerrilheiros, de que esses ocos, esses vazios de poder são preenchidos por outros grupos armados ilegais. Esse é um risco", disse à AFP Kyle Johson, do International Crisis Group.