Agência France-Presse
postado em 02/09/2016 17:47
Caracas, Venezuela - A oposição venezuelana começa a se reorganizar nesta sexta-feira (2), energizada pela gigantesca marcha de quinta-feira (1;), mas enfrenta agora o enorme desafio de conseguir que sua capacidade de mobilização force as autoridades a aceitar um referendo revogatório contra o presidente Nicolás Maduro.
A opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) anunciou uma "nova agenda de luta" e convocou protestos para 7 e 14 de setembro, embora o órgão eleitoral tenha advertido que não se deixará pressionar.
"O desafio mais duro para a oposição é transformar sua energia potencial em energia cinética. Porque essa marcha não muda o controle institucional", opinou o analista Luis Vicente León.
Mas, "uma vez na rua", acrescentou, "a estratégia ganhadora da oposição é ficar assim: mostrar que é maioria e lembrar que é o que quer essa maioria e que não ficará tranquila até conseguir".
Segundo institutos de pesquisa como Venebarómetro e Datanálisis, Maduro enfrenta um nível de impopularidade de pelo menos 75%, e oito em cada dez venezuelanos querem mudar o governo.
Pressionados pela crise econômica, os venezuelanos fazem filas quilométricas nos supermercados para comprar produtos subsidiados e regulados, diante da escassez de alimentos e de remédios e de uma descomunal inflação. Projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam para uma inflação de 720% em 2016.
"A marcha foi impressionante. Continuamos a pressionar para ter o revogatório... É não ter medo, porque temos que sair disso. É uma luta difícil, mas vamos conseguir", disse à AFP a dona de casa Damaris Montero, de 61 anos, que contou ter participado de uma manifestação no leste de Caracas.
Apesar da insatisfação popular e do bom desempenho nas eleições legislativas de dezembro passado, as quais deram maioria parlamentar à MUD, a oposição não conseguia reunir multidões desde as passeatas de 2014. Para os analistas, isso se deve, em parte, à lembrança da violência nesses protestos contra Maduro, no qual 43 pessoas morreram.
Na marcha de ontem, destacam os analistas, a MUD rompeu uma etapa de apatia e mostrou capacidade de mobilização.
Da catarse à ação?
Acusado pela oposição de servir ao chavismo, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) divulgou que as quatro milhões de assinaturas (20% do padrão eleitoral) necessárias para convocar o referendo serão coletadas apenas na última semana de outubro.
A data exata será anunciada pelo CNE em 13 de setembro, motivo pelo qual a MUD convocou uma marcha para o dia seguinte. O objetivo é continuar pressionando, já que o cronograma apertado complica a possibilidade de que o referendo seja realizado este ano.
"A marcha não fará o CNE mudar o programado. Se a oposição se conformar com essa mobilização, ela perde. Daí que anunciou mais ações que vão aumentando em intensidade. A soma delas pode, sim, levar o Poder eleitoral a decidir agilizar o processo", comentou o especialista em Assuntos Eleitorais Eugenio Martínez.
E o tempo urge para a oposição. Se a consulta popular acontecer depois de 10 de janeiro de 2017, quando se completa o quarto ano do mandato presidencial. Nesse caso, se Maduro perder, deverá ser substituído por seu vice-presidente, como determina a lei. Se acontecer antes dessa data, haverá nova eleição à Presidência.
"Se todos exercermos a pressão democrática, forçamos na mesma direção, dada a situação econômica e social em que vive o país. Não vai ter remédio para o governo a não ser aceitar o referendo", disse o líder opositor Henrique Capriles, em recente entrevista à AFP.
A estratégia chavista
O governo não pretende ficar de braços cruzados diante desse movimento.
Os chavistas alegam que não vão permitir que a "direita fascista" lhes tire o poder para instaurar um modelo neoliberal "leal" aos Estados Unidos.
Depois da marcha, à qual o governo respondeu com um multitudinária concentração de militantes, Maduro disse ter preparado um decreto para suspender a imunidade parlamentar. Ele acusa a maioria opositora no Legislativo de planejar um golpe de Estado.
"O que aconteceu ontem? (...). Não foram mais de 30.000 pessoas participando", garantiu a chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, ao apresentar ao corpo diplomático as "provas da agenda violenta" da oposição.
O ministro do Interior, general Néstor Reverol, que acompanhou a ministra das Relações Exteriores em sua exposição, afirmou que as detenções de vários dirigentes da oposição nos últimos dias "frustraram o golpe de Estado e derrotaram a violência na Venezuela".
O governo ainda guarda várias cartas na manga. Ao acusar a oposição de fraude na coleta de assinaturas para reativar o referendo, abre 8.600 recursos legais contra a MUD, uma ação no Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) e uma petição ao CNE para inabilitá-la como ator político.