Agência France-Presse
postado em 29/09/2016 19:29
Paris, França - Se você pensa que os cães são atraídos por sua personalidade, então, pense outra vez. Tal afinidade pode ser genética, de acordo com um estudo divulgado nesta quinta-feira (29/9), que aponta genes ligados a amizade interespécies.[SAIBAMAIS]Fornecer comida e brincar de pegar a bolinha, é claro, ajudam a criar laços fortes.
Mas experimentos envolvendo centenas de cães, e uma análise abrangente de seus genomas, revelaram algumas variantes genéticas claramente ligadas ao fato de os caninos serem amigáveis com os seres humanos.
Resulta que esses genes são os mesmos que ajudam a regular a sociabilidade na nossa espécie e estão implicados em problemas neurológicos como autismo, ou Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
"Nossas descobertas sugerem que pode haver uma base genética subjacente comum para o comportamento social em cães e humanos", disse à AFP o autor sênior do estudo Pers Jensen, professor de Etologia na Universidade de Linkoping, na Suécia.
Os primeiros cães domesticados - cerca de 15.000 anos atrás - provavelmente eram lobos que se acostumaram à presença de seres humanos em seu hábitat, concordam a maioria dos especialistas.
Desde então, o melhor amigo do homem tem continuado a evoluir, um processo provavelmente influenciado pela nossa coabitação íntima.
De fato, os cães divergiram dos lobos através, entre outras coisas, do desenvolvimento de uma tendência inata de buscar o nosso companheirismo, mostraram pesquisas anteriores.
Vários experimentos compararam o comportamento dos filhotes de cães e de lobos criados como animais de estimação de famílias. Os bebês de lobo foram retirados de suas mães com cerca de oito semanas de idade.
Já adultos, quando confrontados - na presença de seres humanos - com tarefas que não podiam resolver sozinhos, os cães e lobos socializados se comportavam de forma bastante diferente.
"Em geral, os cães tinham uma forte tendência a solicitar a ajuda humana, ao passo que os lobos", mesmo aqueles criados como animais de estimação, "não o faziam", relatou Jensen.
Jensen e seus colegas realizaram um teste semelhante com mais de 400 beagles nascidos e criados em um canil que reproduzia animais para testes de laboratório.
Todos os animais tinham chegado à maturidade sob as mesmas condições e com o mesmo nível de contato humano.
Nos experimentos, cada beagle tentou levantar as tampas de plástico transparente de três tigelas, a fim de obter um agrado comestível que estava dentro.
Genomas de lobos
As duas primeiras tampas foram fáceis, mas a terceira era impossível de ser retirada.
Os pesquisadores registraram as reações dos cães, especialmente em que medida eles se voltaram para alguma pessoa na sala, como se procurassem ajuda.
O próximo passo foi examinar o código de DNA do genoma de cada cão para procurar correspondências entre o seu comportamento no experimento e variantes genéticas específicas, ou mutações.
Jensen e sua equipe descobriram cinco genes que se correlacionaram fortemente com os cães mais propensos a procurar ajuda humana - os mesmos genes relacionados com a sociabilidade em seres humanos.
Os dois genes que mais se destacaram são conhecidos como SEZ6L e ARVCF.
Ainda não está claro exatamente como esses genes influenciam o comportamento, ou se são simplesmente marcadores de algum outro processo ainda não detectado. Essa é uma questão muito difícil de desvendar, afirmam os pesquisadores.
Há um outro quebra-cabeça, no entanto, que pode ser resolvido: será que essas variantes genéticas evoluíram durante a domesticação dos cães, ou elas estiveram lá o tempo todo?
Para descobrir, Jensen está agora sequenciando os genomas de lobos para ver se eles têm as mesmas variantes. Caso não as tenham, isso pode sugerir fortemente que esses "genes de sociabilidade" surgiram recentemente.
Mas também é possível, acrescentou o cientista, que os primeiros lobos que fizeram parte da comunidade dos seres humanos tivessem precisamente as mesmas mutações que fazem que alguns cães sejam mais propensos a procurar o carinho dos homens.
"Minha intuição é que não há o mesmo tipo de variação genética na população de lobos", antecipou Jensen.