Agência France-Presse
postado em 03/10/2016 06:48
Bogotá, Colômbia - A Colômbia inicia a semana em choque com o resultado surpreendente do plebiscito de domingo, a vitória do "Não" ao acordo de paz com a guerrilha das Farc, um duro golpe ao governo de Juan Manuel Santos, que coloca em dúvida o processo para superar meio século de violência.
O resultado apertado das urnas - 50,21% para o "Não" e 49,78% para o "Sim" - evidencia um país dividido sobre como alcançar a paz que todos dizem almejar, mas que é algo muito complicado. "A Colômbia está na incerteza", afirmou à AFP Angelika Retteberg, diretora do Mestrado de Construção da Paz da Universidade dos Andes, sobre as perguntas provocadas a respeito do fim do conflito com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
O revés, inesperado tanto para o presidente Juan Manuel Santos como para o líder máximo das Farc, Rodrigo Londoño ("Timochenko"), intensificou no entanto a vontade de ambos de buscar uma saída política para o conflito armado. "Não me renderei", declarou Santos em um discurso no domingo à noite na sede da presidência, a Casa de Nariño, ao lado da equipe do governo que negociou o acordo. "Seguirei buscando a paz até o último dia de meu mandato, porque este é o caminho para deixar um país melhor aos nossos filhos", completou, muito sério.
[SAIBAMAIS]Quase ao mesmo tempo, em Havana, sede das negociações de quase quatro anos, Timochenko afirmou que os rebeldes "mantêm a vontade de paz e reiteram sua disposição de usar apenas a palavra como arma de construção para o futuro".
Santos, empenhado desde o início em legitimar pelo voto popular o acordo de paz, convocou para esta segunda-feira uma reunião com todas as forças políticas, "para escutá-las, abrir espaços de diálogo e determinar o caminho a seguir". "Em diálogo político anunciado por @JuanManSantos as Farc-EP devem ter um assento como força política que trabalha pela paz do país", escreveu Timochenko no Twiter.
Alta abstenção
Nenhuma pesquisa antecipou o resultado, quase uma semana depois da assinatura do acordo de paz, por Santos e Timochenko, em uma cerimônia solene em Cartagena, diante de 15 chefes de Estado e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon. Quase 34,9 milhões de colombianos estavam registrados para comparecer às urnas. Mas o voto não era obrigatório e o índice de participação, de apenas 37,43%, foi à já baixa média histórica do país, de 40 a 50%, segundo os analistas.
Para Carlos Malamud, pesquisador sobre a América Latina do Real Instituto Elcano, a alta abstenção é explicada por vários motivos: as fortes chuvas provocadas pela passagem do furacão Matthew, que afetaram a jornada eleitoral, o triunfalismo da campanha do "Sim" e uma "certa soberba de suas propostas". "A mensagem dos partidários do ;Não; sobre o excesso de impunidade calou profundamente", destacou, antes de explicar a vitória do "Não" como um êxito da campanha de medo do líder da oposição, o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), para quem o acordo levava o país ao "castrochavismo" de Cuba e Venezuela.
"O resultado pode ser visto como um triunfo de Uribe", disse à AFP a analista política Arlene Tickner, da Universidade de Rosario, sobre o atual senador e ferrenho opositor de Santos. O atual presidente foi ministro da Defesa durante o governo de Uribe, que considera Santos um "traidor" por negociar com a guerrilha. "Queremos aportar a um grande pacto nacional, nos parece fundamental que em nome da paz não se criem riscos aos valores que a tornam possível: a liberdade, a justiça institucional, o pluralismo", disse Uribe.
"Guerra civil"
O desprestígio das Farc também pesou na votação, mais do que os recentes pedidos de perdão às vítimas e o compromisso com a reparação material, a destruição de seu armamento e a reconciliação do país. O pacto com as Farc, de 297 páginas, buscava terminar com o principal e mais antigo conflito armado das Américas, um complexo emaranhado de violência entre guerrilhas, paramilitares e agentes do Estado, com um balanço de 260.000 mortos e 6,9 milhões de deslocados.
O acordo previa o ingresso das Farc na vida política de forma legal. Seus 5.765 combatentes - segundo números da guerrilha - iriam se concentrar em 27 lugares para seu desarmamento e posterior reinserção à vida civil. Agora, porém, o que reina é a incerteza absoluta. "A vontade de paz entre as partes é muito forte e o apoio da comunidade internacional também. De alguma forma se buscará implementar o acordado", afirmou Tickner.
O governo da Noruega, país que atuou como mediador na negociação de paz, afirmou que está "muito decepcionada" com o resultado da votação, ao mesmo tempo que fez um apelo para "salvar a paz".