A publicação de um livro de confidências feitas a jornalistas pelo presidente francês, François Hollande, uma crua crônica de sua Presidência desde 2012, deflagrou uma cascata de reações de incredulidade e de constrangimento que afeta magistrados, passando por jogadores de futebol e até seus correligionários.
A seis meses das eleições presidenciais, essas revelações podem prejudicar os esforços para criar as condições de sua candidatura para um segundo mandato, avaliavam nesta quinta-feira (13/10) analistas de vários veículos de comunicação, comentando o material, fruto de cerca de 60 entrevistas a de dois jornalistas do Le Monde.
"Hesitamos sobre a escolha da palavra. Trata-se de inconsciência? Cinismo? Ou masoquismo? (...) Esse exercício, no qual se recria o atual morador do (Palácio) Eliseu delata uma forma de narcisismo", comentava o jornal Le Figaro nesta quinta.
"Preocupante", "horrível", "lamentável", disseram alguns deputados socialistas aos jornais, pedindo para não serem identificados.
A oposição de direita e de extrema direita tampouco desperdiçou a ocasião.
"Dá vontade de perguntar: quando parou de se confessar? e, sobretudo, quando trabalha?" - lançou Nathalie Kosciusko-Morizet, uma das sete pré-candidatas à Presidência francesa nas prévias da direita.
As confidências extrapolam em "Un président ne devrait pas dire ça..." ("Um presidente não deveria dizer isso", em tradução livre). De estocadas em seu antecessor, Nicolas Sarkozy ("o pequeno De Gaulle", como Hollande o apelidou), passando por comentários sobre sua ex-companheira Valérie Trierweiler ("uma mulher infeliz"), a críticas à Justiça ("uma instituição de covardes"), ou aos jogadores de futebol ("crianças mal-educadas"), o livro é uma bomba.
É uma "humilhação" para os dois mais altos magistrados da França, que foram recebidos a seu pedido na quarta-feira à tarde no Eliseu e, hoje, manifestaram-se publicamente.
"Não é concebível que o cargo de presidente (...) possa ser usado por seu titular para contribuir para difundir entre os franceses uma visão tão degradante de sua Justiça", criticou o primeiro presidente do Tribunal de Cassação, Bertrand Louvel, durante uma audiência solene.
;Exercício de transparência;
O Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol vê como "propósitos populistas" os comentários de Hollande sobre a seleção francesa. Segundo ele, os jogadores "passaram de ser crianças mal-educadas a ;estrelas; riquíssimas sem preparação", com falta de "musculação do cérebro".
Assessores próximos do presidente passaram o dia tentando fazer controle de danos, desminando o terreno com a alegação de que se trata de um "exercício de transparência".
"Quando os livros são publicados, às vezes, isso acontece fora de contexto, e isso pode gerar debates, irritar, mas isso permite, em uma democracia, que todos possam fazer a leitura dos acontecimentos que se desenvolvem, temas que podem ser colocados em um momento, ou outro", defendeu o porta-voz do governo, Stéphane Le Foll.
Já o ministro francês da Justiça, Jean-Jacques Urvoas, afirmou que Hollande não lançou "uma palavra", nem teve "um ato" contra a Justiça desde 2012.
Para o jornal Libération, esse "exercício" permite ao presidente "comentar seu balanço (de governo)" e "purgar o julgamento por traição que seu setor político quer fazer dele".
Em tom defensivo, o balanço foi feito, em especial, a uma entrevista dada ao semanário L;Obs, também publicada nesta quinta-feira. Hollande garante "ter praticado uma política de esquerda" e diz que compreende a "intransigência" de seus eleitores desiludidos, mas "não admite o julgamento por traição".
O presidente pede para não ser julgado pelo que "prometeu", embora esteja "disposto a fazer o inventário" de seus compromissos de 2012.
"Todo o mundo sabe o que propõem aqueles que querem nos substituir", completou.
Bastante dividida, a esquerda prevê suas primárias para janeiro, depois do eventual anúncio da candidatura de Hollande, que prometeu se pronunciar a respeito no início de dezembro.