Agência France-Presse
postado em 18/10/2016 18:27
Seul, Coreia do Sul - Park Kwang-Mi revisa com um detector de metais os cantos dos banheiros femininos sul-coreanos. Papel higiênico, trincos das portas e grades de ventilação - tudo é submetido a exames.
"Meu trabalho é garantir que nenhuma câmera filme as mulheres quando elas se aliviam", conta à AFP Park, 49 anos, enquanto inspeciona os banheiros de um museu de Seul.
"É estranho, há pessoas que querem ver isso ...", mas "é necessário que as mulheres se sintam seguras", acrescenta.
Park pertence à equipe inteiramente feminina de "caçadoras de câmeras ocultas" de Seul, que luta contra a "molka", a pornografia através de câmaras escondidas.
Com conexões super-rápidas e telefones celulares de última geração, a Coreia do Sul se orgulha de estar entre os países mais desenvolvidos em tecnologia. Cerca de 90% dos 50 milhões de habitantes têm um smartphone, o que representa a taxa mais alta do mundo.
Mas nesta sociedade patriarcal, não exatamente conhecida por defender os direitos das mulheres, nasceu um exército de ;voyeurs; amantes da tecnologia.
Muitos se valem de aplicativos especiais para olhar por baixo das saias das mulheres sentadas nas suas mesas de trabalho, ou nas escadas do metrô. Câmeras de espionagem filmam o interior dos banheiros públicos e dos provadores de lojas.
Estas imagens podem ser encontradas em vários sites especializados na "molka".
Estas práticas são tão generalizadas que, para lutar contra esses abusos, os fabricantes de smartphones sul-coreanos são obrigados a adicionar som às câmeras dos seus dispositivos para que eles façam barulho quando tiram fotografias.
Não passa um dia sem que os meios de comunicação falem sobre os delitos "molka". Seus autores provêm de todas as camadas sociais. Segundo estatísticas da polícia, a quantidade de crimes desse tipo passou de 1.100, em 2010, para mais de 6.600, em 2014.
Penas de prisão e multas
Criada em 1987 para lutar contra os batedores de carteiras, a unidade policial que se ocupa especialmente da rede de metrô, uma brigada de 80 homens, atualmente dedica quase todo o seu tempo ao combate "antimolka".
A maioria dos homens que são abordados no metrô têm entre 20 e 30 anos e estudos superiores. Podem ter de pagar multas de até 10 milhões de wons sul-coreanos (8.000 euros) ou ser condenados a até cinco anos de prisão.
Para lutar contra os casos de "molka", a polícia oferece recompensas a quem os denunciem, e a municipalidade de Seul recrutou dezenas de mulheres para desmascararem as câmeras escondidas.
Lee Hae-Kyung, de 38 anos, e que trabalha em um escritório, conta que quando um homem sobe atrás dela nas escadas, costuma se virar levemente e olhá-lo nos olhos, o que considera uma técnica eficaz para dissuadir os ;voyeurs;.
Para Lee Na-Yong, socióloga da Universidade de Hanyang, em Seul, a solução passa obrigatoriamente pela sociedade. Há anos a Coreia do Sul e o Japão consomem "vídeos sob as saias".
"São duas nações profundamente conservadoras onde as discussões francas sobre o sexo são tabus e onde as mulheres são vítimas de discriminações sistemáticas", explica.
A "molka" é a "união infeliz entre uma tecnologia que se desenvolve rápido e uma cultura patriarcal que evolui lentamente. O problema não será resolvido enquanto não o tratarmos de maneira mais ampla, através da educação", afirma.