Agência France-Presse
postado em 18/10/2016 18:30
Les Cayes, Haiti - O furacão Matthew arrasou o sul do Haiti há duas semanas, mas em alguns bairros afetados de Los Cayos, a terceira cidade do país, a paisagem de desolação não mudou e seus habitantes se resignam a não receber ajuda.
Na noite da passagem de Matthew, um coqueiro caiu em cima da casa de Yolette Cazenor, que no dia seguinte contou à AFP sua difícil experiência. Os dias passaram e o tronco continua no mesmo lugar. A única diferença é que foram colocadas umas tábuas paupérrimas para proteger o local do sol.
"Colocamos estas placas para ter um pouco de sombra durante o dia", explica Michel Donald, vizinho de Cazenor, também afetado pelo furacão. "Dentro colocamos uma enorme lona de plástico no teto e vários baldes debaixo da cama".
Mas estes arranjos caseiros ajudaram pouco. "Ontem à noite não conseguimos dormir", conta este jovem de 22 anos.
Todas as noites, Los Cayos sofre fortes tempestades, típicas da temporada, que obrigam os moradores a esperar os raios de sol para secar os poucos pertences que salvaram há duas semanas.
O esposo de Yolette se esmera em cortar os galhos de uma grande mangueira caída no pátio de casa. Está sozinho e conta apenas com seu facão, porque ninguém veio lhe ajudar a retirar os escombros.
No centro da cidade, várias máquinas do Ministério de Obras Públicas do governo dominicano estão trabalhando para remover as pilhas de galhos e lixo acumuladas nas ruas principais.
Ketia Jeannejuste procurou abrigo na casa da sua mãe, onde passa os dias esperando que aconteça alguma coisa.
Até o início de outubro, levava uma vida rural muito tranquila em Cavaillon, a 10 km de Los Cayos. Se ocupava do seu gado e da venda de pequenos produtos agrícolas. Mas após a passagem de Matthew não sobrou nada.
;Só palavras;
"Sei que chegaram muitas coisas a Los Cayos, mas nós ainda não recebemos nenhuma ajuda", lamenta Jeannejuste, de 25 anos.
"Me pergunto o porquê. Será que as autoridades locais ficaram com tudo para eles? Eu não sei", disse a jovem, mexendo as mãos com gesto de impotência diante da situação.
Do outro lado da rua, inundada pela tempestade da noite anterior, Emeline Damine, de 43 anos, se junta à conversa.
"Os que não sofreram as consequências receberam a ajuda, mas os mais vulneráveis não receberam nada", afirma.
"E você sabe, estamos perto das eleições, todas as coisas se politizaram no país e a política ainda são só palavras, nada acontece no terreno", acrescenta.
As eleições presidenciais e legislativas previstas para 9 de outubro foram adiadas para 20 de novembro, um ano depois da realização de uma primeira votação, anulada por fraude maciça.
Este interminável processo eleitoral cansou Damine, que não entende como o país pode pensar em votar quando tantas famílias haitianas estão afetadas.
"Os habitantes de Porto Príncipe têm de vir a ver os destroços. O Haiti não é só Porto Príncipe", afirma. "Os cidadãos pensam que somos animais, que não servimos para nada, mas o sul alimenta Porto Príncipe", ressalta com orgulho.
"Tinham que levar mais a sério esta catástrofe porque, em alguns dias, verão a importância do sul quando não encontrarem bananas, mangas e limões (nos mercados). Então entenderão o que significa ;a vida cara;", afirma Damine.
Jeannejuste a ouve atentamente com um olhar de aprovação, mas de todos os modos não poderá exercer seu direito de cidadã: ela perdeu tudo, inclusive o seu título de eleitor.