Mundo

Eleições expõem abismo entre Califórnia progressista e país de Trump

A eleição "marca uma real divisão" ideológica, afirma Kevin Klowden, um dos encarregados do centro de reflexão Milken Institute

postado em 11/11/2016 21:47
Eles esperavam celebrar a eleição da primeira mulher presidente dos Estados Unidos, mas agora querem a separação: para os californianos que votaram em massa na candidata democrata, Hillary Clinton, a chegada de Donald Trump à Casa Branca simboliza o abismo cultural que os separa do resto do país.

A eleição "marca uma real divisão" ideológica, afirma Kevin Klowden, um dos encarregados do centro de reflexão Milken Institute.

O estado mais populoso do país, famoso por seu liberalismo cultural, está na vanguarda da luta ambientalista, contra as armas de fogo, a favor dos direitos dos gays e das mulheres, e acaba de legalizar a maconha.

Inversamente, Trump foi eleito com base em uma campanha anti-imigração, pró-armas, negando as mudanças climáticas e com um discurso repleto de declarações sexistas e xenófobas.

Como um sinal de sua decepção, desde o anúncio do resultado da eleição, milhares de californianos, principalmente estudantes de ensino médio, universitários e latinos saíram em protesto por ruas, campi, diante de repartições públicas de Los Angeles, em Berkeley e outros lugares, repetindo o lema "Não é meu presidente".

Nas redes sociais eram uma legião, incluindo a cantora pop Katy Perry, que substituiu sua foto por um quadro negro, em sinal de luto.

"Calexit"

"Não posso me identificar com a intolerância, o sexismo e o racismo, não sou mais americano, sou californiano", escreveram muitos internautas.

"Vamos pegar nossos abacates, nossa maconha e partir", resumiu outro.

A hashtag "Calexit", em alusão ao voto britânico a favor da saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit), viralizou no Twitter, pedindo a secessão.

O iraniano americano Shervin Pishevar, investidor do Vale do Silício, lançou uma campanha para que "a Califórnia se torne uma nação à parte".

Embora a perspectiva de uma secessão permaneça uma fantasia, a Califórnia, um gigante econômico com 39 milhões de habitantes, é "já um pouco como um país", afirma Mark Baldassare, diretor do centro de estudos Public Policy Institute of California (PPIC).

Embora a comunidade latina seja a principal minoria do país, migrantes chegam de todas as partes do mundo e sua economia é tão diversa quanto a sua população.

A Califórnia "oferece oportunidades econômicas muito mais amplas do que em outros lugares, entre Hollywood e a indústria do entretenimento, o Vale do Silício e a alta tecnologia, não apenas uma indústria manufatureira ou de energias fósseis", destacou Ann Crigler, professora de ciências políticas na Universidade do Sul da Califórnia (USC).

Seu peso econômico e seus 53 representantes na Câmara baixa também lhe dão uma influência notável em nível federal.

Tropa de choque de Hollywood

Politicamente, no entanto, a Califórnia não é homogênea: assim como o restante dos Estados Unidos, as cidades costeiras são predominantemente democratas e progressistas, enquanto o interior do estado é republicano.

Os californianos temem que sob a presidência de Trump haja retrocessos sobre o direito ao aborto, ao casamento gay e provavelmente uma ofensiva contra imigrantes em situação irregular. No entanto, as expulsões durante a presidência de Obama superaram as registradas durante o governo de George W. Bush.

Para Kevin Klowden, a economia californiana, tão integrada com as transações mundiais, sofreria particularmente com uma guerra comercial desatada pelo futuro presidente, eleito com um programa protecionista.

O sistema federal, que dá muita independência aos governos e aos congressos estaduais, deverá, no entanto, ajudar a Califórnia a proteger sua cultura e sua economia.

Isto sem esquecer a potência ideológica de sua indústria do entretenimento, que divulga mensagens progressistas para o mundo inteiro através da criação e do humor, lembra Ann Crigler.

Mas a eleição de Trump, que quer suspender as restrições às poluentes usinas térmicas movidas a carvão, pode frear a luta contra o efeito estufa, principalmente em cidades como Los Angeles, que por muito tempo sofreu com o problema da contaminação do ar.

Embora os republicanos não se caracterizem por sua preocupação com o meio ambiente, Mark Baldassare, do centro de reflexão PPIC, lembra que foi o governador Arnold Schwarzenegger quem impulsionou leis ambientais, depois consolidadas pelo democrata Jerry Brown.

"A verdadeira pergunta é saber até que ponto a próxima administração será conservadora" e o futuro vice-presidente, Mike Pence, poderá fazer a balança pender ainda mais para a direita nos temas sociais, declarou Kevin Klowden.
Por France-Presse

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação