Gabriela Freire Valente
postado em 27/12/2016 06:00
Com o mandato de Donald Trump assegurado até janeiro de 2021, os críticos do polêmico empresário terão quatro anos para se remobilizar, a fim de tentar renovar o comando do Executivo nos Estados Unidos. Mas, mesmo que o republicano não consiga prorrogar por mais um quadriênio a permanência na Casa Branca, ele terá garantido a capacidade de influenciar uma das mais poderosas instituições do país por anos a fio. Graças à repentina morte do juiz Antonin Scalia, em fevereiro passado, Trump poderá indicar novo membro vitalício para a Suprema Corte no início de sua jornada como presidente. Com a escolha de um conservador para a vaga dada como certa, a substituição de Scalia pode marcar o início do retorno dessa ala do Judiciário ao predomínio na instância máxima. Segundo o jornal The Washington Post, Trump terá a oportunidade de indicar 100 nomes para posições no sistema federal de justiça.
Embora Scalia fosse considerado exímio defensor do tradicionalismo católico, e ainda que a indicação de um juiz com perfil semelhante não signifique alteração imediata na dinâmica da Suprema Corte, a combinação da idade avançada de seus membros mais liberais e o início da Presidência de Trump não favorece a manutenção do equilíbrio ideológico no tribunal.
[SAIBAMAIS]Dois dos três juízes progressistas, Ruth Bader Ginsburg e Stephen Breyer, estão se aproximando dos 80 anos, assim como o conservador moderado Anthony Kennedy (leia Para saber mais). Nessa situação, é considerável a chance de pelo menos um deles decidir se aposentar durante a gestão de Trump. ;Aposentadorias em futuro próximo são prováveis. Se Trump chegar a preencher quatro vagas, a Suprema Corte se voltará para a direita, em comparação com a atual configuração;, diz Daria Roithmayr, especialista nas relações entre o Judiciário e a sociedade civil e professora de direito da Universidade do Sul da Califórnia.
A alteração da dinâmica do máximo tribunal coloca em questão futuras decisões relativas à flexibilização das políticas de imigração, a proposta de restrições no acesso às armas e aos direitos de pessoas transgênero. O sistema americano permite que determinações anteriores da Suprema Corte sejam revistas. Por isso, surgiram dúvidas sobre a manutenção de normas acerca do direito ao aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A revisão de posicionamentos não ocorre de modo automático. É mais provável que ela seja condicionada a casos cujo exame terminou em empate na votação dos juízes. ;Decisões da Suprema Corte podem derrubar determinações anteriores se os juízes conseguirem sustentar que a posição em vigor está errada;, explica Roithmayr. A estudiosa crê que a disposição de revisar as decisões progressistas da Corte dependerá da quantidade de assentos que Trump puder preencher.
O perfil dos magistrados deve ser determinante para que manobra do tipo seja adotada. ;O juiz Scalia era franco e participava muito mais de argumentações orais;, lembra Martin Adamian, cientista político da Universidade Estadual da Califórnia. ;Ele tinha influência significativa e tendia a se unir aos parceiros liberais em questões como os direitos de acusados por crimes.;
Reforma
Trump está de olho nas vagas em instâncias inferiores. Diante da manobra adotada pelos republicanos de atrasar a confirmação de nomes indicados por Barack Obama, o republicano começará o mandato com quase o dobro de posições em aberto para preencher do que os antecessores. Na campanha, o magnata afirmou que os indicados à Suprema Corte seriam juristas ;pró-vida; ; contrários ao aborto. O líder eleito classificou de ;correta; a determinação que considera inconstitucional o bloqueio à união gay.
Roithmayr pondera que, enquanto estiver aberta apenas a vaga que pertencia a Scalia, a revisão de determinações sobre o caso não deve ocorrer. ;As políticas de Obama em relação aos imigrantes e à deportação ficarão vulneráveis, se tivermos um ou dois lugares ocupados por indicação de Trump. Podemos prever a forma como os juízes votarão, com base em sua ideologia.;
Questão de gênero no primeiro teste
A Suprema Corte decidiu acolher, inicialmente, o caso de uma escola do estado da Virgínia que desafia a determinação de um tribunal de apelações sobre o uso de banheiros por pessoas transgênero. Com a expectativa de que a instância máxima marque as audiências para o começo de 2017, este pode vir a ser um dos primeiros casos de grande repercussão em que o juiz indicado por Donald Trump para completar o plenário participará das deliberações. O processo diz respeito à proibição do uso do banheiro masculino pelo adolescente transgênero Gavin Grimm. A decisão da Suprema Corte de ouvir o caso foi encarada como revés para o estudante, pois o pronunciamento da instância inferior o favorecia.
Decisão no Congresso
Quando Donald Trump assumir o comando da Casa Branca, em 20 de janeiro, a máxima instância do Judiciário americano terá ficado com uma vaga aberta por quase um ano, o período mais longo nessa condição em quase cinco décadas. Embora a maioria republicana no Senado tenha se recusado a avaliar a indicação feita por Barack Obama para o cargo ; o juiz Merrick Garland, chefe da Corte de Apelações do Distrito de Colúmbia ;, o presidente eleito não deve enfrentar grandes desafios para confirmar sua nomeação. Trump chegou a elaborar lista com 20 nomes, em um espectro que vai de conservadores plenos a juízes extremamente direitistas, para a cadeira antes ocupada por Antonin Scalia. No início do mês, ele recebeu conselhos do juiz Andrew Napolitano sobre a indicação. Ainda que haja objeção sobre o posicionamento do magistrado apontado pelo futuro presidente, a liderança do Partido Republicano no Senado tem insistido na aprovação do nome.