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Turquia decide proteger interesses e ofuscar EUA com cessar-fogo na Síria

O cessar-fogo patrocinado por Ancara e Moscou entrou em vigor à meia-noite de quinta-feira e por enquanto é respeitado amplamente

postado em 30/12/2016 17:44
A Turquia busca dois objetivos com o acordo de cessar-fogo na Síria negociado com a Rússia: proteger seus interesses neste antigo território do Império Otomano e ofuscar os Estados Unidos, um país com o qual mantém relações difíceis.

Ancara cedeu em Aleppo. Assim, o regime de Bashar al Assad, protegido pela Rússia, saboreia a retomada total da segunda cidade síria - uma derrota para os rebeldes, aliados da Turquia.

É que a Turquia queria, antes de tudo, conservar uma margem de manobra no norte da Síria, onde luta contra o grupo extremista Estado Islâmico e as milícias curdas.

O acordo de cessar-fogo não limita em nada sua ofensiva contra os extremistas do EI, nem contra os curdos que tentam unificar as diferentes zonas sob seu controle na fronteira turca.

Estas duas frentes parecem agora importar mais à Turquia do que a queda de Assad, a quem o presidente Tayyip Recep Erdogan denominou repetidas vezes de um "tirano com as mãos cheias de sangue".

A batalha de Aleppo parece ter marcado um antes e um depois: enquanto as forças do regime sírio, apoiadas por Moscou, avançavam na segunda cidade da Síria, a Turquia se mantinha silenciosa.

"A política da Turquia perante Assad claramente fracassou", disse à AFP Mutjaba Rahman, do gabinete Eurasia Groupe.

"Mas Erdogan continua lutando para manter aos curdos à margem e considera que cooperar com (o presidente russo Vladimir) Putin é a melhor forma consegui-lo", resumiu.

Uma aproximação espetacular

O cessar-fogo patrocinado por Ancara e Moscou entrou em vigor à meia-noite de quinta-feira e por enquanto é respeitado amplamente, apesar de alguns combates registrados perto de Damasco. Além do mais, prevê diálogos de paz em Astana (Cazaquistão).

O acordo foi anunciado após várias semanas de intercâmbios secretos entre a Rússia e a oposição síria em Ancara, com o governo turco como mediador.

E até mesmo o assassinato do embaixador russo na capital turca, em 19 de dezembro, não fez as negociações desandarem, um sinal da determinação de Ancara e Moscou.

Há apenas um ano, uma cooperação semelhante teria sido impensável. Os dois países protagonizaram então uma grave crise diplomática, depois que o exército turco destruiu um avião russo na fronteira síria.

Mas Erdogan e Putin foram se aproximando de forma espetacular à medida que suas respectivas relações com o Ocidente esfriavam.

O acordo, antes da posse de Trump

Ao contrário dos acordos anteriores de cessar-fogo na Síria, os Estados Unidos ficaram visivelmente afastados destas últimas negociações.

Erdogan saudou na quinta-feira uma "oportunidade histórica" de por fim à guerra, enquanto Washington limitou-se a destacar "uma evolução positiva".

Para Soner Cagaptay, analista do Washington Institute, a Turquia se apressou em concluir um acordo com a Rússia antes da posse, em 20 de janeiro, do presidente eleito americano, Donald Trump, que não esconde sua simpatia por Trump.

"Sabe-se de antemão que Trump e Putin concluirão um acordo sobre a Síria, Ancara assim o viu e se esforçou por obter seu próprio acordo com Putin antes de (o início de) a presidência de Trump", disse à AFP.

O pacto negociado por Rússia e Turquia ocorre em um momento em que as relações entre Ancara e Washingron estão em baixa, especialmente após o golpe de Estado frustrado contra Erdogan, em julho.

Além do mais, a Turquia está furiosa pelo apoio dos Estados Unidos às milícias curdas que combatem o EI na Síria e acusa Washington de armar as "organizações terroristas".

Erdogan também denunciou a falta de apoio aéreo da coalizão internacional anti-extremista, comandada pelos Estados Unidos em Al Bab, reduto do EI, que os rebeldes sírios, apoiados pelo exército turco tentam recuperar há várias semanas.

O Estado-maior turco anunciou oportunamente nesta sexta-feira que aviões russos lançaram três bombardeios em Al Bab esta semana.
Por France Presse

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