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Comerciantes de Brixton se mobilizam contra risco de gentrificação

Alguns comerciantes se mobilizam contra o risco de fenômeno de 'elitização' do bairro afro-caribenho de Brixton, em Londres

postado em 03/01/2017 11:16
Quatro comerciantes dizem querer salvar suas lojas e também a alma de Brixton. Neste emblemático bairro afro-caribenho do sul de Londres, transformado em refúgio para jovens modernos, alguns comerciantes se mobilizam contra o risco de gentrificação, fenômeno que se caracteriza pela elitização de uma área.
O motivo da irritação são as grandes obras iniciadas pela Network Rail, proprietário das ferrovias britânicas e de dezenas de comércios situados ao lado das vias deste bairro popular.

A primeira fase do projeto começou no outono no hemisfério norte na Atlantic Road e na Brixton Station Road, as duas ruas situadas de um lado e do outro das vias. Cerca de vinte lojas e restaurantes baratos fecharam em outubro.

As obras devem durar 12 meses, segundo a Network Rail.

"Renovam [as lojas] para aumentar os aluguéis e colocar um McDonald;s ou um Burger King", lamenta Jah Weatherman, um velho jamaicano de barba branca, que aluga uma minúscula loja em que se misturam bandeiras rastafári e camisetas com o rosto de Bob Marley.

Apesar da insistência da Network Rail, quatro comerciantes se negam a fechar suas lojas porque temem que a companhia amplie as obras, pressionando-os a abandonar definitivamente seus estabelecimentos.

Cerca de 75% dos inquilinos dessas lojas concordaram em voltar ao final das obras, informou a Network Rail.

"A maioria não voltará", contesta Ray Murphy, gerente de uma loja de tapetes há 26 anos, que decidiu enfrentar a Network Rail e bloquear o início das obras.

[SAIBAMAIS]"Querem nos tirar daqui", diz Malek Menad, outro comerciante descontente.

Murphy e Menad estão preocupados com seus aluguéis, que vão aumentar em 2,5 vezes até 2022, de acordo com um documento publicado pela Network Rail, e ameaçam denunciar o caso à Justiça.

Uma provocação

Alguns comerciantes não esperaram o início das obras para deixar as lojas. A peixaria "LS Mash & Sons", fundada em 1941, fechou em agosto. "Triplicar os aluguéis? É uma provocação", denuncia um cartaz na vitrine.

Meses antes, outra instituição da Atlantic Road, a loja de comidas Continental fechou as portas, culpando a elitização residencial do bairro por afastar seus clientes mais fiéis.

Nenhum desses estabelecimentos comerciais tem a intenção de reabrir em outro lugar além de Brixton.

As duas únicas grandes lojas incluídas no perímetro do projeto de renovação, uma casa de apostas (William Hill) e uma casa de penhores (H Pawnbrokers), assinaram contratos que lhes permitem continuar abertas durante as obras, uma diferença que irrita os pequenos comerciantes.

"Propuseram-nos contratos parecidos", afirma Menad, que acusa o conselho municipal de apoiar a Network Rail. "Aumentam os aluguéis, aumentam os impostos", diz, uma acusação negada pela Prefeitura.

Cenário de distúrbios raciais em 1981, o bairro, situado a uns 15 minutos de metrô do centro de Londres, teve má fama por anos, mas tem mudado e atraído jovens dinâmicos em busca de aluguéis acessíveis.

O mercado coberto, epicentro da zona, é agora um refúgio para jovens descolados, distanciando-se do que era antes.


Limpeza étnica

Em 2010, este mercado foi incluído na lista de monumentos históricos por "ter feito parte do coração comercial e social da importante comunidade afro-caribenha que se instalou em Brixton após a Segunda Guerra Mundial".

Mas hoje, os pequenos mercados e cabeleireiros afro-caribenhos só representam um terço dos comércios e compartilham o espaço com um restaurante de alimentos sem glúten, uma champanheria e uma loja de cupcakes veganos.

"É o novo lugar da moda. Mas as pessoas que cresceram aqui, e não só os negros, foram literalmente expulsos", lamenta Elbee Brown, moradora de Brixton e funcionária dos Arquivos Culturais negros do bairro.

Ela chega a falar em "limpeza étnica", criticando os recém-chegados, que se recusam a se misturar com os antigos moradores.

A seleção, com o aumento dos aluguéis das lojas e das moradias, é antes de tudo "econômica e social, e depois étnica", diz Ray Murphy.

As quatro lojas rebeldes têm até meados de janeiro para ir embora, mas, apesar da última proposta, Murphy se nega a devolver as chaves por seu comércio e seus três funcionários e para não deixar a rua para uma casa de leilões e outra de penhora.
Por France Presse

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