Rodrigo Craveiro
postado em 20/02/2017 07:00
O aperto de mãos e os gestos cordiais encenados por Donald Trump e por Benjamin Netanyahu, durante encontro na Casa Branca, na última quarta-feira, indicam uma afinidade política e ideológica entre o presidente norte-americano e o primeiro-ministro israelense. Para especialistas consultados pelo Correio, Netanyahu ; chamado pelo republicano pelo apelido ;Bibi; ; deverá ter apoio quase completo da Casa Branca em suas políticas contraditórias para o Oriente Médio. Aceno nesse sentido foi dado pelo próprio Trump, ao desvincular da tradição da defesa por uma solução baseada na coexistência pacífica de dois Estados, um árabe e outro judeu, como condição para o fim do conflito. ;Por muito tempo, pensei que a solução de dois Estados era a mais fácil. Mas, honestamente, se Israel e os palestinos estão felizes, eu estou feliz com o que eles prefiram;, declarou Trump, após a reunião. No entanto, os analistas alertam que Trump precisará de cautela para não constranger aliados árabes e não contrariar os interesses do próprio país na região. Por sua vez, Netanyahu não terá caminho tão desimpedido para impulsionar o expansionismo dos assentamentos.
[SAIBAMAIS]Richard Falk, professor de direito internacional da Universidade de Princeton e relator especial sobre os direitos humanos nos territórios palestinos, afirma ao Correio que Netanyahu adota uma postura crítica e de experimentação no começo do governo Trump. ;O israelense parece testar até onde pode ir em suas políticas, sem causar um retrocesso diplomático de alto custo com os vizinhos árabes; um novo ciclo de resistência violenta dos palestinos; e uma escalada da pressão da sociedade civil por uma campanha de boicote, desinvestimento e sanções;, comenta. ;Em outras palavras, ele desempenha um jogo perigoso. Para o bem do expansionismo e da defesa de único Estado como solução do conflito, talvez Netanyahu esteja ultrapassando limites prudentes, ainda que Trump tenha reforçado essas tendências, ao afirmar que não se compromete com a política de um ou dois Estados;, observa. Segundo ele, enquanto o movimento colonialista judeu demonstra entusiasmo, os palestinos são tomados pelo alarme.
Falk acredita que o mais perigoso teste para Netanyahu, ante o governo Trump, é a ;imprudente; política de reviver as tensões com o Irã, o que pode forçar o repúdio do acordo nuclear negociado pelo governo Obama em 2014. ;Trump defendeu a negação ao pacto durante a campanha eleitoral, e não existem garantias de que ele não seguirá Netanyahu no caminho que possa levar a uma guerra;, advertiu. O professor de Princenton reconhece uma afinidade natural entre os dois líderes, calcada no estilo autocrático e nas posições reacionárias de ambos. ;Tanto Trump quanto Netanyahu buscam romper com valores culturais, são oportunistas e facilmente influenciáveis por considerações de conveniência. E esse casamento de conveniência pode ser rompido, não imediatamente;, admite.
Na opinião do professor de Princeton, o encontro na Casa Branca mostra que, a curto prazo, a química pessoal entre os dois líderes é positiva o bastante para sustentar a relação ao longo do tempo. O fato de o ultrassionista Jared Kushner ser amigo de Netanyahu e conselheiro de Trump para o conflito ; além de genro ;, torna a consonância política mais fácil. ;Parece seguro concluirmos que, por ora, Israel poderá se mover adiante no plano de impor uma solução unilateral ao conflito, em detrimento de um compromisso diplomático com os palestinos. Netanyahu estará, nesse caso, abraçando uma desilusão, caso acredite que isso trará a paz.;
Especialista do Centro para Estudos Estratégicos Besa (em Ramat-Gan, a 47km de Jerusalém), o israelense Eytan Gilboa disse à reportagen que, ao se distanciar do antecessor Barack Obama, Trump criou a impressão de não se importar com os assentamentos judaicos. ;A direita de Israel interpretou isso como luz verde para expandir e construir assentamentos;, destaca. Em relação a um dos temas mais sensíveis das promessas de campanha do republicano ; a transferência da Embaixada dos EUA de Tel Aviv para Jerusalém ;, Gilboa acha que Trump pode contrariar Israel e usá-lo para chantagear os palestinos. ;Trump pode utilizar a ameaça de mudança da representação para fracassar a estratégia de internalização do conflito. Ele pode dizer aos palestinos que não transferirá a embaixada em troca da retomada de negociações diretas e incondicionais com o governo Netanyahu.;
Bishara Bahbah, integrante da delegação palestina no processo de paz que culminou nos Acordos de Oslo e professor de Universidade Al-Quds (em Jerusalém), acredita que Israel ficará surpreendentemente desapontado com Trump. ;O presidente Trump percebe que os interesses nacionais dos EUA no Oriente Médio poderiam ser danificados, caso ele não contenha as ações expansionistas israelenses;, explica ao Correio. Ele considera sintomática a declaração do norte-americano na Casa Branca. ;Trump disse não ter preferência sobre uma solução baseada em um ou dois Estados e que caberia aos palestinos e aos israelenses decidirem. No dia seguinte, a embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Nikki Haley, garantiu que o país ainda apoia a solução baseada em dois Estados. Claramente, o governo Trump tem enviado sinais mistos, uma demonstração de que não tem política firme sobre o tema.;