Jornal Correio Braziliense

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Moradores de cidades mexicanas temem política migratória de Trump

A população acredita que possa causar mais mortes na região e estimular o caos humanitário, com a deportação sem precedentes de ilegais


O inverno é rigoroso, com neve e temperaturas de até 13 graus negativos. Durante o dia, o calor de 45 graus é um convite à desidratação. Puentes reconhece a importância de as autoridades ajudarem também os deportados. ;Uma pessoa deportada dos EUA chega ao México com o domínio de técnicas muito importantes de construção, mecânica e agricultura. Nogales está pronta para absorver essa mão de obra.;

Em Tijuana, 783km ao norte, Ángela Lucía Serrano Carrasco teme uma radicalização na contenção de migrantes na fronteira, com o governo Trump. ;Há uma década temos um muro fronteiriço que separa os dois países. Apesar de ele ter sido fortalecido ao longo do tempo, não estamos alheios à problemática que implica viver sob essas condições;, diz à reportagem a integrante do Comitê Estratégico de Ajuda Humanitária de Tijuana. Segundo ela, nos últimos dias tem sido comum presenciar de dois a quatro helicópteros sobrevoando a área do muro, do lado norte-americano. ;Infelizmente, têm sido recorrentes os disparos contra civis do lado mexicano. Cremos que a política de Trump vai aprofundar e justificar as ações militares.; Ela prevê que a construção do muro vá enfraquecer as passagens fronteiriças e exigir a reformulação da dinâmica das economias na área fronteiriça.

Supervisão


Também em Tijuana, Carlos Barboza Castillo, advogado e presidente da Fundación por La Paz (em Tijuana), comenta que entre 300 mil e 500 mil carros atravessam a fronteira por ali, diariamente. Com as políticas anunciadas por Trump, a população passou a conviver com a incerteza e o temor. ;A supervisão é cada vez maior e as deportações têm aumentado, o que pode causar uma crise humanitária em Tijuana;, alerta. O ativista lembra que, nas últimas duas décadas, os EUA construíram dois muros na fronteira norte. ;A construção de uma terceira barreira significaria, para nós, estar realmente divididos, não somente por uma visão fascista e discriminatória, como também por um muro que separa toda a região.;

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Castillo acredita que Trump possa causar danos em sua própria população, pelo fato de San Diego, na Califórnia, e Tijuana serem codependentes. ;Nossa economia depende muito dos visitantes norte-americanos, e a economia da Califórnia depende muito dos visitantes mexicanos.; Como forma de protesto, ele coordenou um movimento chamado de ;Umas horas pelo México;. Em 5 de fevereiro passado, os moradores de Tijuana não atravessaram para os EUA entre as 8h e as 15h. (horário local). ;Foi um chamado cívico para mostrar nossa indignação ante as políticas racistas (de Trump). A linha da fronteira ficou praticamente vazia, o que causou impacto nacional e também internacional.;

De acordo com Vicente Sánchez Munguia, professor do Colégio de La Frontera Norte (em Tijuana), o muro entre Tijuana e San Diego transparece um significado de hostilidade para com o México; senso que também se traduz na forma de agir dos agentes fronteiriços. ;Muitas vezes, eles tratam de forma nada amigável as pessoas que buscam cruzar para os EUA legalmente;, afirma. O especialista diz que existe a preocupação de que a política de deportação de Trump contribua para uma população excedente nas ruas de Tijuana, a qual não teria possibilidade de ser absorvida e atendida pelos serviços públicos.

Munguia também não descarta que vários estrangeiros permaneçam na cidade. ;Os albergues das organizações religiosas estão no limite da capacidade, ante a onda de migrantes haitianos que chegaram em meses anteriores. As autoridades legais também temem que alguns dos estrangeiros sejam cooptados pelo crime organizado.;