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Jihadistas se vestem de médicos para atacar maior hospital militar de Cabul

Armados de fuzis , cinturões-bomba e granadas, e vestidos de médicos, terroristas do Estado Islâmico invadem o maior estabelecimento de Cabul e matam 38. Especialistas explicam ofensiva do grupo no país

Rodrigo Craveiro
postado em 09/03/2017 06:30
Policiais das forças especiais saltam de veículo ao chegarem ao Hospital Sardar Mohammad Daud Khan: batalha com os militantes durou várias horas

O médico afegão Khalillzai Hamid, 25 anos, cumpria mais um turno no Sardar Mohammad Daud Khan, o maior hospital militar de Cabul, quando escutou tiros vindos do terceiro piso, um andar abaixo de onde estava. Por volta das 9h (1h em Brasília), um extremista detonou os explosivos atados ao corpo no portão do estabelecimento, com capacidade de 400 leitos. Quatro terroristas vestindo jalecos brancos e armados com fuzis AK-47 e granadas, entraram no prédio de sete andares e dispararam contra funcionários e pacientes. ;Eles atiravam em todos os lugares. Tudo estava coberto de sangue e as pessoas gritavam por socorro;, contou Hamid ao Correio. O Estado Islâmico (EI) usou o aplicativo Telegram para reivindicar o atentado, que deixou 38 mortos e 70 feridos, enquanto o Talibã negou envolvimento. As forças de segurança isolaram a área, invadiram o hospital e travaram combates com os jihadistas por várias horas.

[SAIBAMAIS]O massacre impõe temores sobre a pacificação do Afeganistão e sobre a presença do EI no país. ;Como não podíamos fugir pelas escadas, eu e mais dois médicos fizemos uma corda com jalecos e saltamos do quarto andar. Eles assassinaram crianças, idosos, médicos e enfermeiros;, lamentou Hamid. O cirurgião ortopédico Daud Ibrahimi, 25, não estava de plantão e passou o dia atendendo na clínica particular. ;Perdi dois colegas. O hospital era alvo do Talibã e do EI. Foi uma ação planejada. Ali, nós ajudamos seres humanos, não importa se são terroristas ou não. Tanto que o hospital trata de extremistas que estão presos;, disse à reportagem.

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Por e-mail, Najibullah Lafraie, ex-chanceler do Afeganistão entre 1992 e 1996, explicou que, nos últimos grandes ataques em Cabul, os alvos foram a minoria xiita. ;O objetivo era criar uma fenda religiosa. A meta do massacre de ontem era diferente. O Daesh (acrônimo árabe para Estado Islâmico) quer mostrar que ampliou o seu alcance e a sua força;, admitiu. Além de o protagonismo do EI complicar esforços de paz, Lafraie crê que ele possa fortalecer os linha-dura do Talibã.

Os milicianos talibãs tentaram chegar a um consenso com o Daesh, mas o gesto de aproximação foi repelido. ;A esperança do Talibã é manter o Daesh fora de suas áreas de controle;, afirma Lafraie. Diretor do Centro para Estudos do Afeganistão da Universidade de Nebraska, Sher Jan Amadzai explicou que o Talibã tem reagido ao Daesh, ao forçar os jihadistas a abandonarem regiões dominadas pela milícia afegã, no leste. ;De alguma forma, o Talibã perdeu espaço para o Daesh, por ter contribuído para o seu empoderamento.; Segundo ele, as táticas brutais do EI permitiram que o grupo tomasse bastiões do Talibã.

Amadzai alerta que, se as forças afegãs não receberem apoio internacional, o EI dificultará a pacificação do país. O especialista afegão da Universidade de Nebraska aposta que a expansão da facção no Afeganistão será difícil. ;Por não serem movimento nativo e por seguirem ideologia tão cruel, eles não são bem-vindos ali. O EI tem forçado as pessoas a seguirem-no; o aval não é voluntário.; O libanês-americano Abdulkader Sinno, professor de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Indiana, lembra que o Daesh afegão foi formado por dissidentes do Talibã. ;Os seus interesses estão no Afeganistão, ainda que a marca seja internacional.;

O presidente afegão, Ashraf Gani, declarou que o atentado ;atropelou todos os valores humanos;. ;Em todas as religiões, um hospital é considerado um local imune.; O Ministério das Relações Exteriores brasileiro lamentou ;profundamente; o incidente. ;Ao reiterar firme repúdio a todo o ato de terrorismo, qualquer que seja a motivação, o governo brasileiro manifesta condolências (;) e solidariedade ao povo e ao governo do Afeganistão.; Renzo Fricke, coordenador de operações da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) no país, sublinhou que qualquer ataque a instalações médicas ;é inaceitável; e ;grave violação do direito humanitário internacional;.


Pontos de vista

Por Sher Jan Amadzai


Mensagem ao governo
;O governo afegão está em batalha com o Daesh (Estado Islâmico) e não permitirá que eles capturem qualquer território dentro do Afeganistão. Como inimigo natural, o Daesh gostaria de provar que tem a capacidade de atacar importantes locais, como o hospital militar, e enviar uma mensagem às autoridades. O Daesh no Afeganistão não parece gozar de amplo apoio do Daesh do Oriente Médio. No entanto, esses militantes têm algum apoio técnico e financeiro de dentro da região.;

Diretor do Centro para Estudos do Afeganistão da Universidade de Nebraska em Omaha

Por Abdulkader Sinno

Recrutamento conveniente
;O Daesh está tentando recrutar insurgentes às custas do Talibã, que é visto como moderado demais. Por isso, os jihadistas do Daesh se engajam em tais ataques para mostrar que são eficientes. No entanto, é improvável que o Afeganistão se torne um campo de batalha para o Daesh. Isso porque o Talibã tem sido bastante capaz e se revelado muito mais poderoso. Os seus milicianos já derrotaram vários comandantes do Daesh dentro do país.;

Professor de ciência política e de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Indiana

Eu acho

;Nós não temos qualquer esperança no futuro. Temos presenciado ataques do Daesh diariamente e em todos os lugares. Atualmente, vivemos em perigo. E viver em perigo é como estarmos mortos em vida.;
Daud Ibrahimi, 25 anos, cirurgião ortopédico do Hospital Sardar Mohammad Daud Khan, em Cabul

;Eu perdi dois colegas. Shafiq Ezatullah e Ezatullah Sediqi se casaram havia 4 meses. O fato de não estarem mais aqui está me matando e me dizendo que o Afeganistão não é mais um país seguro nem para médicos.;
Khalillzai Hamid, 25 anos, médico no mesmo hospital e sobrevivente do ataque

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