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Em quase 6 anos, guerra civil acumula histórias de sofrimento na Síria

O Correio entrevistou personagens do conflito, incluindo um "capacete branco" que ajudou a salvar milhares de vidas. Especialista explica as dificuldades para se alcançar a paz na Síria

Rodrigo Craveiro
postado em 12/03/2017 11:52
Todos os dias, mais de 180 pessoas são mortas pelas bombas lançadas pelas forças russas e sírias
As histórias de dor, de sofrimento, de luto e de esperança se confundem desde 15 de março de 2011, quando os sírios convocaram o ;Dia de Fúria;, exigindo a deposição do presidente Bashar Al-Assad. Ali Abojoud, 37 anos, amarga a solidão, imposta pela bombardeio que dizimou toda a sua família. Mohammad Omar Alloush, 40, deixou a própria vida de lado para salvar milhares de outras. Ele e companheiros ;capacetes brancos; resgataram dos escombros 78 mil civis. O repórter Mohammed Alshagel, 25, foi expulso do leste de Aleppo; hoje, ele e a mulher sonham com dias felizes. A três dias de completar seis anos da guerra civil ; ou a ;grande revolução; ;, a Síria parece distante da paz, convulsionada por opositores armados, terroristas islâmicos e forças internacionais.

Todos os dias, mais de 180 pessoas são mortas pelas bombas lançadas pelas forças russas e sírias. Segundo ativistas, são 400 mil vítimas. ;Não há paz nessa terra;, lamenta o fotógrafo Ali Abojoud. ;Às 3h de 26 de agosto passado, um helicóptero despejou bombas sobre a minha casa, na Cidade Velha de Aleppo, matando toda a minha família;, contou ao Correio. As duas mulheres e os quatro filhos ; Aisha, 12 anos; Mohammed, 11; Albeida, 9; e Athra, 7 ; morreram. O sogro ficou incapacitado e hoje depende do genro. ;Perdi todas essas pessoas em um único dia, mas não sinto ódio nem sede de vingança. Minha família é apenas uma entre dezenas de milhares que morreram pelas mãos de Al-Assad, da Rússia e de suas mentiras. Eu não peço por justiça por minha família, mas por todos os sírios. Eu peço por liberdade;, desabafou.

Abojoud se apoia na religião para explicar o destino. ;Alá, nosso Deus, me emprestou os meus filhos e minhas esposas. Agora, eles retornaram para ele;, afirmou. ;Eu fico com o coração sangrando e continuarei assim por toda a vida. Jamais voltarei a ser quem eu era.; Após a tragédia, ele se uniu aos rebeldes de Aleppo. Pretende ajudá-los até a vitória da ;grande revolução; e crê que o triunfo está a caminho. ;Muitos vivem sob opressão, como animais. Agora, entendem que estamos plantando a liberdade, uma nova esperança e a democracia para as próximas gerações.; Mohammed Alshagel se lembra do início da revolução como ;maravilhoso;. ;Quase todos os sírios apoiavam a oposição e cantavam por liberdade. Mas o regime começou a bombardear o país e a matar. Com todo o derramamento de sangue, a Síria virou um inferno;, comenta, ao culpar Al-Assad, o Estado Islâmico e a Frente Al-Nusra, ligada à rede Al-Qaeda.

[SAIBAMAIS]Foi no Corão ; o livro sagrado do islã ; que Mohammad Omar Alloush encontrou a inspiração para fazer parte dos ;Capacetes Brancos;, como ficou conhecida a Defesa Civil Síria. No verso 32 da sura 5, está escrito: ;(...) Se alguém salvou uma vida, é como se salvasse a vida de toda a humanidade;. Ele revela ao Correio que, em 2014, viveu um dos momentos mais emocionantes de seu trabalho. ;Foi quando salvamos Mahmoud, uma criança de dois meses apelidada de ;bebê milagre;. Durante 16 horas, reviramos os escombros, achando que estivesse morto. Ficamos chocados ao escutá-lo chorando e também começamos a chorar. Aquele choro não era de tristeza, mas de tanta felicidade.; Alloush participou do documentário Os capacetes brancos, vencedor do Oscar de melhor documentário. O grupo é cotado como um dos favoritos ao Prêmio Nobel da Paz. Desde o início da guerra civil, 150 capacetes brancos perderam a vida.

O resgate em áreas dominadas pela oposição demanda sacrifício e improvisação. Segundo Alloush, os voluntários da Defesa Civil Síria precisam fabricar as próprias ferramentas e não dispõem de carros. ;Trabalhamos por dias e noites apenas para tirar cadáveres dos escombros.;

Conflito complexo

Diretor do Centro para Pesquisa sobre o Mundo Árabe, em Maniz (Alemanha), Guenter Meyer explica que o conflito na Síria é muito mais do que uma guerra civil. ;Trata-se de uma guerra por procuração, com poderosos atores políticos e militares. Esses atores perseguem objetivos e interesses altamente conflitantes. É extremamente difícil para as partes envolvidas concordarem com compromissos, o que seria precondição para a paz na Síria;, observa. De acordo com ele, três conflitos moldam a guerra: a rivalidade entre líderes do islã xiita e sunita, representados pelo Irã e pela Arábia Saudita; a violação, por parte de Israel, do direito internacional na Palestina ocupada e nas Colinas de Golã; e o embate entre turcos e curdos. ;Há, ainda, interesses contraditórios entre o apoio da Rússia a Damasco e o governo dos EUA, que deseja derrubar Al-Assad.;

O especialista adverte que, nos últimos quatro anos, ficou claro que a alternativa ao regime de Al-Assad poderia ser um governo de extremistas, como o Estado Islâmico ou a Frente Al-Nusra. ;Eles são os grupos mais poderosos que combatem Al-Assad. Apenas esses extremistas seriam capazes de preencher um vácuo de poder;, acredita Meyer. Para o alemão, desde a intervenção russa, em setembro de 2015, e ante o apoio do Irã e da milícia xiita libanesa Hezbollah em solo, Al-Assad recuperou terreno. ;O fim do regime não é mais uma opção realista;, adverte, ao explicar que o poder dos grupos armados anti-Assad encolheu dramaticamente.
O Correio entrevistou personagens do conflito, incluindo um

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