postado em 16/03/2017 06:00
No fechamento das urnas, às 20h de ontem (16h em Brasília), o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, pôde autorizar os correligionários a abrir as garrafas de champanhe na sede do Partido Popular da Liberdade e da Democracia (VVD, direita liberal)), depois de uma campanha difícil e angustiante. Por meses, as pesquisas deram vantagem ao populista de direita Geert Wilders, do Partido da Liberdade (PVV), cujo programa pode ser resumido em fechar as portas aos imigrantes, proibir o islã e tirar o país da União Europeia (UE). Com base nas pesquisas de boca de urna, as projeções garantiam a Rutte a maior bancada, embora com perda de até 10 cadeiras, e um novo mandato ; mas com o parlamento ainda mais fragmentado e a perspectiva de longas negociações para compor maioria.
;Hoje, tivemos uma celebração da democracia;, discursou o premiê, no fim da noite, antes ainda de serem conhecidos os resultados definitivos da eleição mais disputada no país nas últimas décadas. Com a participação dos quase 13 milhões de eleitores estimada em 81% (sete pontos acima da registrada nas eleições de 2012), o resultado parece ter refletido os receios da maioria diante do salto no escuro que representaria ter Wilders como líder da maior bancada, ainda que sem chances de chefiar o governo. ;A Holanda disse não à modalidade errada de populismo;, sentenciou Rutte, que recebeu telefonemas da chefe de governo da Alemanha, Angela Merkel, e do presidente da Comissão Europeia (CE), Jean-Claude Juncker.
O VVD deve eleger 31 dos 150 deputados, menos de metade dos 76 necessários para governar. De acordo com as análises iniciais, terá de costurar uma coalizão com quatro ou até cinco partidos, quase certamente uma composição que exigirá concessões entre parceiros com pronunciadas diferenças programáticas. O PVV, de Wilders, dividia o segundo lugar com a democracia-cristã (CDA), que volta ao ;primeiro time; do jogo parlamentar, e com os reformistas do D66 ; cada qual com 19 cadeiras. Grande derrotado da noite, o trabalhismo (PvdA), sócio de Rutte no governo, viu a bancada despencar de 38 para nove cadeiras e amargou a ascensão da Esquerda Verde (de quatro para 16 a 18).
;Obrigado, eleitores do PVV, ganhamos cadeiras!”, comemorou Wilders no Twitter, no esforço de transformar em vitória a conquista de mais quatro vagas no parlamento. ;E Rutte ainda não se livrou de mim!”, completou o líder da extrema-direita, que viu adiado por mais cinco anos o projeto de chefiar um gabinete, ou ao menos integrar uma coalizão. Horas antes, quando compareceu à votação, o ;Trump holandês;, como foi chamado, parecia já conformado com a ideia de seguir como a ;pedra no sapato; dos partidos tradicionais. ;Seja qual for o resultado das eleições, o gênio não voltará para dentro da lâmpada e esta revolução patriótica seguirá;, proclamou. ;Os acontecimentos nos Estados Unidos e talvez em outros países europeus mostram que as pessoas normais querem ser novamente soberanas em seus países.;
Reação na Europa
A satisfação com a vitória de Rutte foi indisfarçável entre os principais governantes e líderes partidários europeus, em particular nos países onde formações populistas ameaçam o establishment político. Na Alemanha, embora a chanceler tenha preferido conversar diretamente com o colega holandês, o ministro de Relações Exteriores, Sigmar Gabriel, exaltou o ;sucesso da Europa;. Martin Schulz, ex-presidente do Parlamento Europeu, disse pelo Twitter que se sentia ;aliviado;: ;Geert Wilders não conseguiu vencer na Holanda. Mas temos de continuar a lutar por uma Europa livre e aberta;. Em setembro, Schulz, líder da social-democracia, enfrentará a chanceler democrata-cristã em uma eleição na qual a incógnita é quanto ao desempenho da legenda anti-imigração Alternativa para a Alemanha (AfD).
Análise da notícia
Suspiros de alívio; Silvio Queiroz
A expressão escolhida por dirigentes dos partidos tradicionais na Europa diz muito sobre o momento político no continente: alívio. Era o fantasma de uma maré montante da hoje chamada direita populista que assombrava os gabinetes do poder nas principais capitais do Velho Mundo ; e em Bruxelas, sede da União Europeia (UE), um dos alvos centrais de Geert Wilders e de seus correligionários na França e na Alemanha, que vão às urnas nos próximos meses.
Nos três países, porém, assim como no Reino Unido do Brexit, o fato é que a agenda dessas formações anti-UE e anti-imigração (muitas vezes também anti-islâmicas) desembarcou no cenário político para ficar. Ao menos até que as forças ditas clássicas, de direita e de esquerda, encontrem discurso e plataforma política para responder aos desconfortos e às angústias de uma fatia (nada desprezível) do eleitorado que se sente perdedora na economia globalizada.