Agência France-Presse
postado em 06/04/2017 10:14
Buenos Aires, Argentina - A Argentina amanheceu nesta quinta-feira apagada: sem voos nacionais ou internacionais, nenhum meio de transporte público e com ruas bloqueadas devido a uma greve geral de 24 horas contra o modelo econômico aplicado há 16 meses pelo presidente Mauricio Macri. A paralisação coincide com a realização em Buenos Aires do primeiro Fórum Econômico Mundial dedicado à América Latina (WEF Latam), que reunirá políticos, banqueiros e empresários no exclusivo bairro de Puerto Madero, sob fortes medidas de segurança.
Em um dia onde estão previstas dezenas de manifestações e bloqueios nos acessos a Buenos Aires, organizações sociais marcaram uma passeata rumo ao hotel Hilton, que abriga o fórum, a partir das 11h00 locais (mesmo horário de Brasília), horário em que Macri abrirá o evento organizado pela fundação suíça que realiza o encontro anual em Davos.
"Há um mal-estar enorme porque a política econômica não deu resultados" com seu modelo liberal de maior abertura às importações e flexibilidade trabalhista, declarou Juan Carlos Schmid, secretário-geral da influente Confederação Geral do Trabalho (CGT), controlada pelo opositor peronismo. Segundo Schmid, nos 16 meses de Macri no poder "se destruiu mais emprego que se criou e o custo recaiu sobre os assalariados e os setores vulneráveis", disse ao canal TN.
Buenos Aires não contava na manhã desta quinta-feira com trens, metrô e ônibus. Sindicatos aeronáuticos, de técnicos e trabalhadores aderiram à greve e pela primeira vez nenhum voo internacional chegará ao país em 24 horas, informaram os sindicatos do setor. A medida também afeta indústria, saúde, educação e serviços bancários, com manifestações e bloqueios em todo o país.
Uma forte mobilização policial tentava evitar o bloqueio das entradas da capital, onde centenas de militantes de organizações sociais e grupos de esquerda chegaram desde a madrugada. "É uma medida extrema que custa bilhões de dólares ao país", disse a vice-presidente Gabriela Michetti ao canal de notícias TN minutos antes do início da greve, à meia-noite desta quinta-feira.
A terceira maior economia da América Latina segue em recessão. Caiu 2,3% no primeiro ano do governo de Macri e apenas em janeiro houve uma leve recuperação, ainda imperceptível para a classe média e trabalhadora. A pobreza aumentou e alcança 32,9% dos argentinos. Os investimentos caíram 5,5%. A produção industrial está em queda há 13 meses.
No vermelho
Esta greve é %u200B%u200Bo corolário das grandes marchas de março organizadas por sindicatos, estudantes, organizações de direitos humanos e opositores, que tomaram as ruas diante de uma situação social e econômica em deterioração.
A inflação, que de acordo com consultores chegou a 40% em 2016, evaporou o poder aquisitivo do salário e o consumo interno está em queda há 13 meses. Estimativas privadas situam a inflação em 21% para este ano, enquanto o governo insiste que será de 17% e busca impor este limite a reajustes salariais.
As demissões totalizaram 250.000 na economia formal, mas estima-se que se multiplicam por milhares em uma economia com 40% de trabalho não registrado. A indústria e a construção, principais pilares do emprego, entraram em colapso, e em fevereiro caíram 6% e 3,4%, respectivamente.
A chuva de investimentos prometida por Macri ao assumir a presidência, em dezembro de 2015, ainda não ocorreu. Segundo estudos da Universidade Católica, a pobreza que afeta um terço da população continua aumentando e a indigência disparou.
"Mafiosos"
Em meio à polarização política, Macri endureceu nesta semana sua postura em relação aos sindicalistas, depois que no sábado dezenas de milhares de pessoas surpreenderam com uma concentração inédita para expressar apoio ao seu governo. "Há comportamentos mafiosos em sindicatos, empresas, política e justiça. Felizmente eles são minoria, mas é preciso combatê-los", indicou o presidente liberal.
O governo anunciou uma operação de segurança que terá por objetivo garantir a livre circulação dos que não quiserem aderir à paralisação. Uma convocação para romper a greve foi promovida nas redes sociais sob a hashtag "#YoNoParo". Como reflexo do estado de espírito que reinava antes da greve, o chefe do sindicato dos taxistas, Omar Viviani, convocou a virar os carros dos colegas que fossem trabalhar, declaração que posteriormente considerou exagerada.