Agência France-Presse
postado em 10/04/2017 10:24
Sonoyta, México - Espécies ameaçadas como o jaguar, o carneiro selvagem e o antilocapra de Sonora cruzam agora livremente a fronteira entre México e Estados Unidos em biosferas protegidas, mas a construção de um muro impediria seus movimentos por estes vales áridos e poderia levá-los à extinção.
"Cuidado, cruzamento de fauna", adverte um cartaz em pleno deserto, entre cactos e arbustos, junto à estrada que leva à cidade fronteiriça de Sonoyta, no noroeste mexicano. Veados, jaguatiricas, coiotes, antilocapras, gatos bravos e lobos cruzam constantemente esta via que beira o limite entre México e Estados Unidos, em uma zona ecológica protegida por ambos os governos.
Ao norte, na americana Arizona, se encontra o Cabeza Prieta National Wildlife Refuge, e ao sul, na mexicana Sonora, a Reserva da Biosfera El Pinacate e Grande Deserto de Altar, declarada patrimônio da humanidade pela Unesco. Estes santuários abrangem 90 km dos mais de 3.000 km da fronteira e, diferentemente de outros trechos, não têm cerca metálica. Só há uma cerca simples que "foi desenhada especialmente para não lastimar a fauna, para que não haja problemas para cruzar", explica à AFP Miguel Ángel Grageda, responsável de recursos naturais de El Pinacate.
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Mas neste lugar, como em outras áreas protegidas da fronteira, o presidente americano, Donald Trump, prometeu construir um grande muro de concreto contra imigrantes ilegais e narcotraficantes que, segundo especialistas, provocaria o desaparecimento de flora e fauna. Comprometeria, inclusive, a perenidade de recursos naturais necessários para o homem.
Migração vital
Nesta zona, onde a temperatura atinge 55;C, as chuvas são cada vez mais escassas, o que obriga os animais a percorrer grandes distâncias além da fronteira em busca de água, alimento e abrigo, explica Grageda. Grandes mamíferos endêmicos e em risco de extinção, como o antilocapra de Sonora, de pelagem cor de mel, e o carneiro selvagem, com chifres em espiral, seriam os primeiros a sofrer as consequências de um muro.
"Se você coloca um muro fronteiriço gigante no meio do seu hábitat, o fluxo migratório para algumas espécies seria cortado, o que as impediria de recolonizar" seu território, alerta Aaron Flesch, especialista da Universidade de Arizona. Em algumas zonas do deserto, as espécies chegam a desaparecer de forma pontual após uma temporada de seca ou doenças, explica. "E se os animais não podem cruzar o seu território para recolonizar esses lugares, a população nesses pontos jamais será restaurada", aponta.
Assim, segundo Gerardo Ceballos, do Instituto de Ecologia da Universidade Nacional Autônoma do México, a frágil população de jaguares em território americano - apenas quatro ou cinco exemplares - depende da chegada de seus parentes da terra mexicana. Bloquear a passagem dos animais provocaria, além disso, o empobrecimento paulatino da sua diversidade genética. "Se dividimos a população em dois, vão começar a haver cruzamentos entre parentes, (...) e mais adiante poderíamos ter problemas de consanguinidade", alerta Grageda.
Destruição em cadeia
Todo o ecossistema seria afetado se estes mamíferos tivessem seus movimentos limitados. Muitos deles são capazes de romper com suas patas a costra que se forma na terra do deserto após vários anos sem chuvas, ajudando a água a permear o subsolo. E os herbívoros agem como dispersores de sementes, de modo que a perenidade da flora local também depende do seu livre fluxo.
Ceballos assegura que o muro teria "um grande impacto" ao bloquear ou mudar o curso dos numerosos córregos que cruzam a fronteira, alterando os padrões de infiltração e depósito de água e desencadeando inundações e danos à fauna. A posteriori, os humanos também poderiam se ver afetados pela modificação da qualidade e da quantidade da água disponível, o microclima, as partículas suspensas na atmosfera e a produtividade dos solos, afirma.
"Quando você faz o muro, destrói tudo", diz o especialista, assegurando que várias ONGs mexicanas e americanas já preparam uma ofensiva contra a iniciativa de Trump. Ainda "não sabemos com exatidão quais serão os resultados" no ecossistema fronteiriço se o presidente erguer seu muro, diz Flesch. "Mas sabemos que não serão bons".