Agência France-Presse
postado em 04/05/2017 10:01
O ex-mujahedine e senhor da guerra afegão Gulbuddin Hekmatyar retornou a Cabul nesta quinta-feira, após uma ausência de mais de duas décadas da capital, onde muitos não perdoam seu passado. O líder do Hezb-i-Islami, de 67 anos, volta ao cenário político após um acordo de paz com o governo de Ashraf Ghani concluído há sete meses e que recebeu o apoio da comunidade internacional, apesar dos crimes cometidos.
De barba branca e turbante preto como de costume, foi saudado por centenas de curiosos. Alguns agitavam bandeiras verdes do partido e flores vermelhas para dar as boas-vindas, apesar de a população estar dividida sobre este retorno. A medida que o comboio avançava pela cidade, a caravana recebeu o apoio de centenas de veículos particulares, com bandeiras nas janelas e os ocupantes cantando o hino nacional. Muitos gritaram: "Bem-vindo a Cabul honorável Hekmatyar".
Ele continua a ser visto como um líder carismático aos olhos de seus partidários, que lançaram rosas aos seus pés quando desceu do veículo em que estava. Mas o entusiasmo não é unânime, em um contexto de tensão com um governo dito de união nacional, a ofensiva dos talibãs e os atentados do grupo extremista Estado Islâmico (EI).
O retorno de Hekmatyar foi anunciado na semana passada. Em vários bairros da capital foram colados cartazes, que rapidamente foram arrancados ou manchados com tinta vermelha, o que reflete até que ponto o acordo é doloroso para alguns habitantes de Cabul.
Maiores danos
Para muitos, Hekmatyar será sempre "o açougueiro de Cabul", que bombardeou a cidade quando era primeiro-ministro no início dos anos 1990, provocando os maiores danos em 40 anos de guerra. Quase um terço da cidade foi destruída e dezenas de milhares de civis morreram.
Ele também é acusado de inúmeros crimes encomendados, visando meios de comunicação, ONGs e militantes feministas. Ainda assim, o acordo de paz assinado garante anistia e segurança tanto para ele quanto para seus seguidores, apesar dos protestos dos defensores dos direitos humanos, como a Human Rights Watch.
"Para mim aqueles que cometeram crimes, sejam eles talibãs ou Hekmatyar, deveriam ser julgados, a fim que seus crimes não se repitam no futuro", afirma Mohammad Rahim Mangal, funcionário de uma empresa de informática. "Eu não irei aclamá-lo porque ele tem nas mãos o sangue de milhares de inocentes", afirma Edress Arabzada, de 20 anos. "Apesar de tudo, iremos acolhê-lo se isso nos trouxer a paz e a estabilidade", ponderou o jovem.
Hekmatyar, que fez seu primeiro comício público no sábado em Laghman, cidade ao leste de Cabul, será recebido nesta quinta-feira pelo presidente Ghani no palácio presidencial. Para o governo, afetado pela ofensiva dos rebeldes talibãs, o acordo envia um sinal de sua capacidade para estabelecer um acordo com um opositor armado.
Associações de defesa dos direitos humanos condenaram o retorno do ex-chefe de guerra ao cenário político, mas para as autoridades, é essencial conseguir encerrar os combates que, apenas em 2016, deixaram pelos menos 10 mil vítimas civis, segundo a ONU.
O acordo foi assinado por vídeo-conferência em setembro, com o líder do Hezb em um local secreto, provavelmente no Paquistão, onde encontrou refúgio, ou Irã, onde se exilou de maneira voluntária no final dos anos 90.