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Governo de Trump deixa relação com Cuba em segundo plano

Novo afastamento entre Washington e Havana poderia fortalecer a influência da Rússia e da China sobre a ilha caribenha


Apesar de Trump ter elogiado inicialmente o antecessor pela ruptura de uma política que durava mais de meio século, o republicano passou a se opor fortemente à iniciativa quando chegou à disputa pela Presidência dos EUA. Nas últimas semanas, a equipe de Trump sinalizou que uma ampla revisão da abordagem de Washington para Havana estava em curso ; um anúncio chegou a ser esperado no 115; aniversário de independência da ilha caribenha, celebrado em 21 de maio, mas nada foi apresentado.

Membros do Departamento de Estado americano afirmaram à imprensa que os EUA pretendem intensificar a pressão sobre o governo cubano em relação a questões relativas aos direitos humanos. Por enquanto, Trump apenas assinou uma ordem executiva para revogar a política de ;pés secos e pés molhados;, que garantia asilo aos cubanos que conseguiram migrar, mesmo ilegalmente, para os Estados Unidos.

Philip Brenner, professor de relações internacionais da American University, em Washington, avalia que o momento é desfavorável para que o presidente faça mudanças em uma política que foi apoiada por grande parte da população. ;O problema é que as políticas implementadas por Obama são populares. Há empresas que desejam entrar no mercado cubano, e os americanos deveriam poder viajar ao país;, comenta.

Ao reverter o processo de reaproximação, Brenner crê que Trump agiria apenas em favor dos dissidentes cubanos que vivem nos EUA. A medida, segundo ele, se oporia aos interesses de líderes regionais que incentivaram e aplaudiram a retomada das relações diplomáticas. ;Reverter isso seria virar as costas para a América Latina;, avalia.


Geopolítica

Além do risco de indisposição com líderes regionais, o afastamento entre Washington e Havana abriria caminho para que russos e chineses ampliassem a influência sobre a ilha. ;Um endurecimento unilateral por parte dos EUA contra Cuba ; um Estado que o ex-líder para o Comando Sul, John Kelly, afirmou ao Congresso que não representa uma ameaça direta aos EUA ; encorajaria os cubanos a se voltarem para países como Rússia, China, Coreia do Norte e Irã;, avalia Ted Piccone, pesquisador da Brookings Institution. ;Intensificar o embargo levaria, inevitavelmente, a uma retaliação de Cuba, o que pode incluir o fechamento de trocas comerciais que beneficiaram a indústria turística norte-americana.;

Após Havana e Moscou firmarem acordo para modernizar as Forças Armadas cubanas, no fim do ano passado, os russos voltaram a fornecer petróleo para a ilha. A China, maior parceiro comercial de Cuba e detentora de boa parte da dívida pública do país, colocou a empresa de telecomunicações Huawei em competição direta com a Google pelo fornecimento de acesso à internet em território cubano.

Apesar da clara disputa por influência, a elaboração e a implementação de nova política americana para a ilha esbarram nas dificuldades estruturais do governo Trump. O republicano não preencheu todas as vagas no Departamento de Estado. As posições de secretário assistente para o Hemisfério Ocidental e de embaixador dos EUA para a Organização dos Estados Americanos (OEA) estão ocupadas interinamente.

40%
Índice de norte-americanos que consideram a política externa norte-americana uma questão ;muito importante;. Entre os americanos de origem hispânica, eles somam 31%, segundo pesquisa do instituto YouGov

17%
Parcela de norte-americanos de origem hispânica que avalizam a política externa de Trump

Genro fez contatos com embaixador russo
Aparecem cada vez mais indícios da ligação de Jared Kushner, genro do presidente dos EUA, com o Kremlin. Sete fontes do governo americano disseram à agência Reuters que ele teve três contatos não revelados com o embaixador russo, Sergei Kislyak, durante e depois da campanha presidencial de 2016. Duas ligações teriam ocorrido entre abril e novembro do ano passado. No começo do ano, Kushner, que também é assessor especial do sogro, entrou no foco das investigações do FBI sobre uma possível conspiração com os russos para que Trump chegasse à presidência. Na sexta, o jornal Washington Post publicou que Kushner teria discutido com o embaixador a ideia de estabelecer com a equipe de transição do sogro um canal direto e seguro de comunicação.