Rodrigo Craveiro
postado em 29/05/2017 06:15
A saída do Reino Unido, a crise migratória sem precedentes desde a Segunda Guerra Mundial, a ameaça terrorista, o lento crescimento da economia, o desemprego que afeta principalmente os jovens, a política expansionista da Rússia, a crescente dívida dos 27 países remanescentes. Uma conjunção de fatores coloca em xeque a existência da União Europeia (UE) enquanto bloco calcado na integração e no livre trânsito entre as fronteiras. Depois de assumir a Presidência da França, o banqueiro e ex-ministro Emmanuel Macron começou a ensaiar uma ampla reforma da UE. No primeiro encontro com a chanceler alemã, Angela Merkel, ele propôs uma ;refundação histórica da Europa; ; o que incluiria a criação de um único parlamento para os países do euro, a nomeação de um ministro das Finanças central e a adoção de um orçamento autônomo para a concessão de empréstimos. Pela primeira vez em 60 anos, franceses e alemães admitem modificar o Tratado de Roma para garantir fôlego à União Europeia. Macron também se reuniu com Jean-Claude Juncker e com Donald Tusk, respectivamente presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu.
Sebastian Dullien, professor de economia internacional e especialista do Conselho Europeu sobre Relações Exteriores, acredita que as chances de refundação da União Europeia são melhores do que em qualquer outro momento da história. ;Macron e Merkel firmarão um compromisso para reformar o quadro de governança da Zona do Euro. O líder francês prometeu recuperar a economia de seu país, incluindo os mercados de trabalho fortemente regulados. A chanceler, por sua vez, pode mais facilmente vender um compromisso à opinião pública da Alemanha;, afirma ao Correio. Ele não descarta que as reformas na França possam ser combinadas com a criação de um orçamento comum para a área do euro. ;Para alcançar um acordo nesse sentido, Merkel terá que convencer os conservadores de seu partido União Democrata-Cristã (CDU, pela sigla em alemão);, alerta.
Segundo Dullien, a Zona do Euro precisa concluir a união bancária e criar um mecanismo centralizado de estabilização fiscal. ;Isso poderia incluir fundos de investimentos a serem desembolsados centralmente ou algum tipo de seguro-desemprego, que apoiaria as nações em situações econômicas extremas;, observa. O estudioso acha pouco provável que outros países imitem o Reino Unido e ativem o seu próprio ;Brexit;. ;Em primeiro lugar, as mudanças necessárias para o bloco se aplicariam somente à Zona do Euro, não à UE como um todo, e os países mais eurocéticos estão fora da Zona do Euro. Em segundo lugar, algumas das transformações devem ser implementadas para os Estados que buscam uma maior integração;, comenta. Ele aposta que Merkel exercerá grande influência sobre as demais nações em relação à postura a seguir.
Niklas Helwig, especialista do Centro para Relações Transatlânticas da Universidade Johns Hopkins, explica que a vitória de Macron contra a ultradireitista Marine Le Pen foi, definitivamente, um sinal de esperança de que a França desempenhará um papel mais incisivo na reforma da UE, nos próximos anos. ;Fortalecida pelo sucesso nas recentes eleições regionais e menos vulnerável às críticas domésticas, Merkel é capaz de fazer concessões à França, em relação a possíveis reformas do bloco. Mas, não podemos nos enganar. Uma ;histórica refundação da União Europeia; é um longo caminho. Merkel foi cuidadosa em suas declarações, ao sustentar que encorajará as reformas, ;se elas fizerem sentido;;, lembra. De acordo com ele, a decisão sobre as mudanças demandará um processo de longa negociação entre os países-membros, com a realização de referendos em alguns deles. ;Para Merkel, o custo de Macron falhar em sua agenda pró-UE é extremamente alto, pois a França poderia cair nas mãos dos populistas em uma eleição futura;, alerta.
Sem contenção
Ao ressaltar que a eurozona não é à prova de crises, Helwig recorda que não existem mecanismos automáticos capazes de ajudar um membro que escorrega para a turbulência econômica e financeira. ;Várias reformas contribuiriam com a UE durante um choque econômico. Os eurobonds ; títulos com valor nominal expresso em dólares ou em outras moedas e vendidos a investidores fora do país de origem ; manteriam reduzidas as taxas de juros para empréstimos de governos a Estados afetados por crises;, exemplifica. No entanto, a Alemanha e outros países devedores argumentam que o artifício reduziria incentivos para as reformas econômicas. Helwig diz que um seguro-desemprego europeu seria outro mercanismo para automaticamente baixar os custos aos países em dificuldades. ;Seria um sinal de que a UE se importa com o povo e com a igualdade social. Por sua vez, o orçamento único defendido por Macron permitiria a reinicialização das economias, por meio de investimentos;, observa. Na opinião de Helwig, a UE precisa demonstrar mais flexibilidade se quiser se recuperar.
Reforma em questão
Como Merkel e Macron veem as possibilidades de mudança para ;salvar; a União Europeia e como pretendem tratar os principais temas do bloco
Zona do euro
A ideia de Angela Merkel e de Emmanuel Macron é tornar a zona do euro mais resistente a crises econômicas.
Integração
Merkel acredita que, com o Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia), os 26 países-membros remanescentes devem pensar sobre como fortalecer a UE e, especialmente, a zona do euro.
Tratados
A chanceler alemã se disse disposta a mudar os tratados da UE, ;se for útil;. ;Do ponto de vista alemão, é possível modificar o tratado, se isso fizer sentido. Eu estaria pronta a fazê-lo, mas, primeiro, trabalharemos sobre o que queremos reformar;, disse Merkel após o encontro com Macron, no último dia 15.
Burocracia
Macron defendeu um bloco com mais pragmatismo e menos burocracia. Também cobrou uma Europa que proteja os próprios cidadãos.
Eurobonds
O presidente francês disse se opor aos eurobonds, títulos que permitiriam a países do euro emitirem dúvidas conjuntamente, com alguns deles se beneficiando de prêmios de risco mais baixos.