Agência France-Presse
postado em 24/06/2017 12:23
A síria Myriam Rawick, de 13 anos, teve de fugir de seu bairro, sofreu bombardeios e virou refugiada em sua própria cidade. Um pesadelo de cinco anos que ela registrou em seu diário. O diário de Myriam conta a guerra síria vista por uma criança de uma família cristã de classe trabalhadora, de origem armênia, cuja vida foi alterada por ;coisas de adultos;.
Myriam escrevia tudo que via: lemas revolucionários pintados nos muros, manifestações contra o governo, o sequestro do seu primo, o bloqueio e os combates. ;Quando a guerra começou, minha mãe sugeriu que eu escrevesse um diário. Nele, contava tudo o que tinha feito no meu dia. Pensei que assim eu poderia um dia lembrar de tudo o que aconteceu;, conta Myriam, em Paris.
Em dezembro de 2016, o jornalista francês Philippe Lobjois ouviu falar sobre a menina e seu diário, um caderno de cerca de 50 páginas escritas em árabe, e pensou que era a ocasião de contar esta guerra de dentro. O diário, que cobre o período de novembro de 2011 a dezembro de 2016, foi traduzido para o francês e acaba de ser publicado pela editora Fayard na França.
Antes de se tornar o principal campo de batalha da guerra na Síria, Aleppo, uma das cidades mais antigas do mundo, transbordava tesouros declarados Patrimônio da Humanidade da Unesco. ;Aleppo era um éden, era nosso éden;, conta Myriam, vestida com uma calça jeans e uma camiseta com a palavra ;love; estampada. Mas este paraíso se transformou em um inferno.
Myriam diz que nunca conseguirá esquecer os dias sombrios de março de 2013, quando ;homens vestidos de preto;, rebeldes islamitas, obrigaram sua família e ela a abandonar seu lar. ;Acordei uma manhã com o barulho de coisas quebrando, pessoas gritando ;Allauh Akbar; (Deus é grande, em árabe). Senti tanto medo que fiquei com vontade de vomitar. Abracei forte minha boneca, dizendo ;não tenha medo, não tenha medo, eu estou aqui com você;;, recorda.
Bala perdida
;Corri para colocar meus livros na mochila. Eu adoro os livros, não podia abandoná-los. Coloquei dois casacos de inverno, um por cima do outro, para me proteger das balas perdidas;, conta. ;Na rua, vi um homem barbudo, vestido de preto e com uma arma na mão. Eu estava com muito medo. Nós andamos muito tempo até chegar a uma área mais segura.;
A família chegou à parte ocidental da cidade, que estava sob controle do governo, mas era regularmente alvo de bombas de rebeldes. ;Os mísseis eram o que mais me assustava. Uma noite, eu estava indo me deitar quando o céu ficou vermelho e houve um barulho ensurdecedor. Um míssil tinha caído na rua ao lado da nossa. Para nos acalmar, meus pais nos deram açúcar, dizendo que isso nos ajudaria a ter menos medo. Mas eu não senti nenhuma diferença;, lembra. ;Nós nos refugiamos na casa de uma vizinha e me colocaram em um colchão que ficava em frente a uma janela. Eu tinha medo de janelas, dos fragmentos de vidro. Não queria ficar desfigurada;, afirma.
A rendição dos rebeldes em dezembro de 2016 fez com que uma certa normalidade voltasse a Aleppo, embora o abastecimento de água e eletricidade tenha permanecido intermitente. ;Já não temos medo de que bombas caiam nas nossas cabeças. Estou recuperando a minha infância, voltando a brincar com as crianças da vizinhança;, diz, sorridente.
Ela só voltou uma vez ao seu antigo bairro desde que os combates terminaram. ;Era como se meu coração estivesse voltando a bater, tudo estava destruído, mas eu me lembrei de todos os momentos que vivi lá. Havia um perfume da felicidade passada. Mas eu não vou voltar a morar ali.; A adolescente, que sonha ser astrônoma ;porque ama as estrelas;, continua escrevendo no seu diário. ;Não quero me esquecer do que estou vivendo agora.;