Agência France-Presse
postado em 05/08/2017 16:50
A Assembleia Constituinte do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, começou seus trabalhos neste sábado (5) com mão de ferro, ao demitir a procuradora-geral Luisa Ortega e decidir que vai legislar por até dois anos.
Cumprindo o desejo de Maduro de mexer no Ministério Público, depois de Ortega se rebelar contra a Constituinte, a funcionária foi afastada do cargo, acusando o presidente de ter "ambições ditatoriais".
A procuradora será julgada por supostas irregularidades, anunciou mais cedo o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) - acusado de servir ao governo -, ao suspendê-la de suas funções.
"Diante do vazio inexorável que existe ali neste momento (...), proponho que seja removida de seu cargo a senhora Luisa Ortega Díaz, em vez de suspensa. Isso não é um linchamento pessoal, político, mas o cumprimento da lei", apontou Diosdado Cabello, poderoso dirigente do chavismo e membro da Constituinte.
Ortega, de 59 anos, será substituída temporariamente pelo procurador público chavista Tarek William Saab.
Ela disse, neste sábado, que desconhece a decisão tomada pela Corte Suprema e pela poderosa Assembleia Constituinte.
"Desconheço as decisões (...) e não as assumo porque estão à margem da Constituição e da lei", disse Ortega, reiterando que está "em pleno desenvolvimento um golpe contra a Constituição promovido" pelo máximo tribunal e pelo governo do presidente Nicolás Maduro.
A procuradora havia denunciado, mais cedo, que militares da Guarda Nacional tinham impedido sua entrada na sede do Ministério Público.
"Isso é uma ditadura, as atrocidades que a Venezuela está vivendo, a repressão, não estão só detendo arbitrariamente as pessoas, mas as processam com Justiça militar, e ainda não deixam a Procuradora-geral entrar na sede principal", declarou à imprensa.
A procuradora, que chegou e foi embora em uma moto escoltada, disse que vai continuar "lutando pela liberdade e pela democracia na Venezuela".
- Constituinte por dois anos -
Ortega atribuiu a ofensiva contra si à necessidade de "esconder a corrupção" e as "violações dos direitos humanos" que acontecem desde que protestos da oposição começaram há quatro meses, deixando 125 mortos.
Na sexta-feira, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que o governo de Nicolás Maduro não reconhece, anunciou a concessão de medida cautelar de proteção para a procuradora, considerando que a sua vida e integridade "correm risco iminente".
A Constituinte anunciou outra medida que abala o cenário político: seu funcionamento se estenderá por até dois anos.
Considerando o período inteiro, a assembleia vai terminar após o mandato de Maduro, a ser concluído em janeiro de 2019.
A oposição, que exige eleições gerais e não reconhece a legitimidade da Constituinte, não reagiu a esses anúncios.
A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) considera a assembleia uma "fraude" para manter Maduro no poder e instaurar, na Venezuela, um sistema político similar ao de Cuba, de partido único, em que a oposição é ilegal.
A Constituinte, presidida pela ex-chanceler Delcy Rodriguez, vai estabelecer uma Comissão da Verdade que, segundo Maduro, investigará os "crimes da direita" nos protestos.
- Fora do Mercosul -
Em meio às primeiras medidas da Constituinte, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, fundadores do Mercosul, decidiram, de forma unânime, suspender a Venezuela do bloco por "ruptura da ordem democrática".
"A suspensão da Venezuela foi aplicada em função das ações do governo de Nicolás Maduro e é um chamado imediato para o início de um processo de transição política e restauração da ordem democrática", declara o comunicado assinado pelos ministros após uma reunião em São Paulo.
Agentes da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) estão posicionados nos arredores e acessos à sede do Ministério Público, no centro de Caracas, de acordo com fotos divulgadas pela assessoria de imprensa do MP.
"Rechaço o cerco ao Ministério Público. Denuncio essa arbitrariedade à comunidade nacional e internacional", escreveu a procuradora-geral em sua conta no Twitter.
Maduro e os líderes do governo já alertaram que a Assembleia Constituinte "vai colocar ordem" no Parlamento, de maioria opositora, e no Ministério Público.
A assembleia decidiu que vai dispor de todos os espaços do Palácio Legislativo.
Ainda que o mandatário tenha prometido que a nova Constituição seria submetida a referendo, os legisladores já tomaram decisões de aplicação imediata neste sábado.
Diante da pressão internacional, Rodríguez lançou uma advertência nesta sexta-feira, como presidente Constituinte: "Não se enganem (...) Nós venezuelanos resolveremos nosso conflito, nossa crise, sem nenhum tipo de interferência externa".
Os Estados Unidos não reconhecem a legitimidade da Constituinte, assim como uma dezena de governos latino-americanos e a União Europeia. O Vaticano também pediu que o processo seja suspenso, considerando que fomenta "um clima de tensão".
Segundo pesquisa Datanálisis, sete em cada dez venezuelanos rejeitam a Assembleia Constituinte.