Agência France-Presse
postado em 15/08/2017 16:17
Jeanne Costes passou seis dias em Caracas depois do encerramento das operações da Avianca, a mais recente de um grupo de companhias aéreas que abandonaram a Venezuela devido aos milhões de dólares em dívidas do Estado, à convulsão social e à segurança.
Assim que a jovem francesa chegou de Paris para fazer uma conexão em Bogotá, a empresa colombiana suspendeu voos na Venezuela, onde operou por seis décadas.
A interrupção estava prevista para 16 de agosto, mas a Avianca adiantou para 27 de julho, segundo a empresa, para "preservar a segurança" ante "limitações operacionais" que não detalhou.
Para Costes, empresária turística de 26 anos radicada no Peru, o calvário terminou em 1; de agosto, quando conseguiram embarcá-la em outra companhia via Panamá. Outras pessoas do grupo de 60 que estava na mesma situação que ela só deixaram o país em 4 de agosto.
Ela passou esses dias trancada em um hotel, de onde ouvia as explosões e os confrontos entre militares e manifestantes opositores durante os protestos contra o governo, que deixaram 125 mortos desde abril.
"Queremos processar a Air France (que fez o trecho Paris-Caracas) e a Avianca, que sabiam muito bem o que ia acontecer quando estivéssemos ali", disse Costes à AFP.
Rentabilidade ou riscos
O êxodo de linhas aéreas internacionais começou em 2014, quando os preços do petróleo - fonte de 96% das divisas do país - começaram a cair.
Isso levou a uma seca de dólares - que o governo monopoliza desde 2003 mediante um controle de câmbio - e a um acúmulo de 3,8 bilhões de dólares em dívidas com as companhias, segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA).
[SAIBAMAIS]Impossibilitadas de repatriar seus lucros, a maioria deixou de vender passagens em bolívares em 2016, segundo uma fonte da indústria, recebendo apenas pagamentos em dólares e online.
Entre 2014 e 2015 deixaram o país Air Canada, Aeroméxico, Alitalia, Lan (Chile), Tam, Tiara (Aruba) e Gol. Em 2016, foi a vez da americana Dynamic e da alemã Lufthansa. Neste ano, seguiram-nas United e Delta (EUA) e Avianca (Colômbia).
"Decidiram isso porque a rota não era rentável para justificar os riscos que assumiam", disse à AFP Humberto Figuera, presidente da Associação de Linhas Aéreas da Venezuela (ALAV).
Uma fonte do setor não descarta que o caso da Avianca esteja ligado à deterioração das relações entre Venezuela e Colômbia, que acusa o governo de Nicolás Maduro de instaurar uma ditadura.
Em outubro de 2016, a Avianca suspendeu brevemente suas operações na Venezuela, após uma aeronave militar do país voar perto de um avião que fazia o trajeto Madri-Bogotá, em uma aparente confusão.
Panorama obscuro
O déficit de lugares nos voos e de rotas diretas é crescente: são apenas 121 frequências semanais e cerca de 19 mil assentos, frente 57 mil em 2013, disse Figuera.
Isso aumenta o tempo e o preço. Enquanto uma passagem Caracas-Miami custa 860 dólares, o trecho Bogotá-Miami sai a 390 dólares pela Copa.
Ainda somam-se a isso os reparos técnicos.
A Aerolíneas Argentinas suspendeu seu voo de 9 de agosto a Caracas - segundo uma fonte da empresa - porque faltam produtos, reposições, combustível e alimentos para a população no aeroporto Maiquetía.
Mas Figuera garante que não foram relatados problemas com a aeronavegabilidade, o controle aéreo, o estado da pista ou a variedade e qualidade do combustível.
Contudo, os custos por uso do aeroporto e taxas de sobrevoo são mais altos que em outros países da região, completou.
Para Henry Harteveldt, presidente da Atmosphere Research Group, a situação pode piorar.
"Nenhum diretor executivo vai por em risco a vida de seus colegas ou correrá o risco de que seus aviões fiquem presos em um país que pode entrar em colapso", afirmou.
Medo
Uma dúzia de companhias aéreas estrangeiras ainda operam na Venezuela. Algumas reduziram sua frequência e suas rotas, como American Airlines, TAP, Air France e Iberia.
Copa e Air Europa também ainda operam, mas pediram para seus pilotos suspenderem os voos com pernoite na Venezuela ou dormirem em outro país diante da escalada de violência.
A Iberia mudou seu pernoite para Santo Domingo, segundo Figuera.
Os temores não são em vão. Em 8 de agosto, um venezuelano foi assassinado a tiros diante de um mostrador do aeroporto de Maiquetía.
Um funcionário de uma companhia ficou ferido no incidente, atribuído a uma vingança. Em março de 2016, um egípcio também foi assassinado após reagir a um assalto em frente ao terminal.
A Venezuela é considerada um dos países mais perigosos do mundo, com 21.752 homicídios em 2016, taxa de 70,1 por cada 100.000, nove vezes maior que a média global.
Ainda que fosse apenas em uma conexão, Jeanne sempre quis conhecer a Venezuela. "Quero voltar um dia, quando isso tudo acabar", disse.