Mundo

Terremoto político no Quênia com anulação de resultado das presidenciais

Após a proclamação da vitória de Kenyatta, o país teve dois dias de violência nos redutos da oposição, nos subúrbios de Nairóbi e na região oeste

Agência France-Presse
postado em 01/09/2017 09:38
Após a proclamação da vitória de Kenyatta, o país teve dois dias de violência nos redutos da oposição, nos subúrbios de Nairóbi e na região oeste
A Justiça do Quênia tomou nesta sexta-feira (31/8) a decisão histórica de invalidar, por "irregularidades", o resultado da eleição presidencial de agosto, que teve como vencedor o atual chefe de Estado, Uhuru Kenyatta, e ordenou a celebração de novas eleições em um prazo de dois meses. "Pessoalmente, não concordo com a decisão tomada hoje, mas a respeito", reagiu o presidente Kenyatta em um discurso à nação, ao mesmo tempo em que pediu aos cidadãos que mantenham a "paz".
Desde que o presidente do Tribunal Supremo, David Maraga, anunciou que o resultado das eleições de 8 de agosto havia sido "inválido e nulo", explosões de alegria se espalharam em bairros da capital, Nairóbi, e no oeste do país, redutos da oposição. Nas zonas simpatizantes ao poder predominava a calma. "Pela primeira vez, tivemos justiça. Roubaram as eleições durante muito tempo. Foi feita justiça para ;Baba; [apelido de Raila Odinga, candidato da oposição]", declarou Lynette Akello, peixeira do subúrbio de Kisumu (oeste).

Odinga, de 72 anos, que se apresentou sem sucesso às eleições de 1997, 2007 e 2013, comemorou a sentença "histórica", afirmando que era a primeira vez na África que um Tribunal Supremo anulava o resultado de eleições presidenciais. As presidenciais "não aconteceram de acordo com a Constituição" e o resultado é "inválido e nulo", afirmou Maraga.

O juiz presidente ordenou que a Comissão Eleitoral (IEBC) organize novas eleições em um prazo de 60 dias, conforme a lei, após considerar que havia "fracassado" na tarefa de realizar eleições de acordo com a Constituição, mencionando irregularidades na transmissão dos resultados.


"Uma decisão muito política"

Raila Odinga pressionou a Comissão Eleitoral afirmando que não tinha "nenhuma confiança" em sua capacidade de realizar novas eleições. "Estes delegados têm que ir. O lugar da maioria deles é a prisão", declarou. O presidente da Comissão, Wafula Chebukati, disse que não havia cometido nenhuma falta, nem os seus seis colegas. Mas implicitamente acusou a equipe administrativa da autoridade eleitoral. A inesperada decisão foi tomada pela maioria, indicou Maraga.

[SAIBAMAIS]O presidente em fim de mandato improvisou um comício nas ruas de Nairóbi, ante um grupo de simpatizantes, e deu por iniciada a sua campanha eleitoral. Kenyatta, de 55 anos, eleito pela primeira vez em 2013, havia sido proclamado vencedor pela IEBC em 11 de agosto com 54,27% dos votos, contra 44,74% de Odinga (72 anos), que se candidatava pela quarta vez.

A oposição denunciou fraudes e em 18 de agosto recorreu ao Tribunal Supremo, que colocou sua credibilidade em jogo neste caso. Em 2013, Odinga recorreu ao Tribunal Supremo, embora a impugnação não tenha prosperado, o que rendeu críticas à corte por ter, supostamente, utilizado uma jurisprudência discutível e ter multiplicado as artimanhas processuais.

Democracia "em vias de amadurecimento"

Após a proclamação da vitória de Kenyatta, o país teve dois dias de violência, nos quais ao menos 21 pessoas morreram nas manifestações e nos distúrbios duramente reprimidos pela polícia nos redutos da oposição, no subúrbio de Nairóbi e na parte oeste. Os choques lembraram os confrontos pós-eleitorais de 2007-2008, que deixaram mais de 1.100 mortos.

Para Murithi Mutiga, especialista em Quênia do International Crisis Group (ICG), a sentença do Tribunal Supremo "envia um sinal muito forte de que o Quênia é uma democracia em vias de amadurecimento progressivo". Segundo os advogados da oposição, o processo de recolhimento e verificação dos resultados eleitorais continha erros e incoerências "deliberados e calculados" para saturar o número de votos de Kenyatta em detrimento de Odinga.

A IEBC reconheceu que detectou alguns "erros humanos cometidos" que teriam passado "despercebidos". Os advogados de Kenyatta, por sua vez, consideraram que a grande diferença de votos entre o presidente e seu rival (mais de 1,4 milhão de votos) não davam margem para dúvidas sobre a vitória.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação