Agência France-Presse
postado em 06/09/2017 17:51
A missão veio quase que por acidente, mas não lhe falta empenho para cumpri-la. Alheio às advertências de Madri, Carles Puigdemont prevê convocar um referendo com a esperança de cumprir seu sonho de infância: uma Catalunha independente. "Estamos a 25 dias (do referendo) e a 25 dias não vamos parar", advertia o presidente regional catalão diante de possíveis represálias da Justiça e do governo espanhol de Mariano Rajoy, contrários a esta votação, convocada para 1; de outubro.
O destino deste jornalista de 54 anos, fã de violão - inclusive foi visto acompanhado de seus amigos cantando "Let it be" - e filho de uma humilde família rural de confeiteiros, mudou em uma manhã de janeiro de 2016 quando foi chamado de última hora para liderar uma coalizão de partidos separatistas e levar esta rica região mediterrânea de 7,5 milhões de habitantes "às portas da independência". Quase desconhecido há dois anos, seu rosto de rebelde com cabelo comprido ao estilo dos Beatles e cicatriz no lábio superior de um antigo acidente de carro, agora encarna o principal inimigo do governo de Rajoy.
Desde a infância
Este sentimento é levado por ele desde a infância, a meio caminho entre o seu povoado natal, Amer, de 2.200 habitantes, e a pequena cidade de Gerona, reduto do nacionalismo catalão, da qual foi prefeito entre 2011 e 2016. Nunca escondeu, nem sequer quando era minoria em seu partido, a conservadora Convergência Democrática da Catalunha (CDC), formação na qual ingressou em 1980 quando praticava uma política de acordos com Madri para conseguir maior autonomia regional.
[SAIBAMAIS]"Na Catalunha, muitos se tornaram separatistas por uma ;reação alérgica; às políticas de Madri. Mas ele não, ele sempre teve essa convicção", explica seu amigo, o poeta e cronista Antoni Puigverd. "Convicções que combinam perfeitamente com uma projeção cosmopolita", acrescenta rapidamente sobre este homem apaixonado pelas novas tecnologias e hábil com o inglês, francês e romeno, língua materna de sua esposa e mãe de seus dois filhos. "Sempre equilibrou a sua militância política com o jornalismo", assinala o colega de Gerona Ramon Iglesias, agora na rádio Ser.
Em 1991, idealizou uma campanha no jornal local onde trabalhava para impulsionar a troca da denominação da cidade de Gerona (em espanhol) para Girona (em catalão), relembra, e "fez uma viagem à Eslovênia para observar o processo de independência de lá". Já como prefeito de Gerona, em 2014, pediu ao recém-proclamado rei Felipe VI que sua filha Leonor não usasse o título de princesa de Gerona, que corresponde ao herdeiro do trono espanhol. Uma amostra, segundo a então opositora socialista na cidade Silvia Paneque, de um nacionalismo, algo "excludente" que "insiste em separar entre partidários e não-partidários do projeto separatista".
Sem vínculos
Para o jornalista Enric Juliana, estas fervorosas convicções o tornaram "o candidato ideal" para substituir Artur Mas, cujo perfil de separatista convertido e suas políticas de cortes despertavam dúvidas nos grupos mais esquerdistas da independência. "Mas era mais reflexivo. Puigdemont é uma pessoa mais direta, com ideias claras, uma pessoa de mais ação", explica um companheiro de partido.
Em junho de 2016, quando os independentistas da esquerda radical retiraram o seu apoio parlamentar, não hesitou em convocar uma moção de confiança que poderia acabar com o seu mandato. Tampouco se deparou com travas em impulsionar a celebração de um referendo de autodeterminação que não tinha consenso em seu próprio partido, ou em forçar a renúncia em julho de quatro colegas de governo que não pareciam dispostos a enfrentar os choques com Madri. "Não aspirava a nenhuma carreira política e isso lhe dá uma enorme liberdade", afirma Puigverd.
Inquieto e curioso, fundou um "think-thank" político, criou uma agência de notícias regional e um jornal em inglês sobre a Catalunha. Deixou o seu trabalho de chefe de redação do jornal local para empreender uma viagem pela Europa e escrever um livro sobre como a região é vista no continente. Por isso, Puigverd acredita que se mantém tranquilo diante das consequências de desafiar Madri, organizando um referendo proibido de maneira taxativa pela Justiça espanhola. "Desde que nos conhecemos, mudou quatro ou cinco vezes de trabalho. É uma pessoa livre, não tem medo da mudança. Outra pessoa em sua situação estaria preocupadíssima com seu futuro, mas ele não", resume.