Agência France-Presse
postado em 19/09/2017 09:57
Naypyidaw, Mianmar - A líder birmanesa Aung San Suu Kyi afirmou nesta terça-feira (19/9) que Mianmar está preparada para organizar o retorno dos 410 mil refugiados rohingyas que fugiram para Bangladesh, mas sem anunciar medidas contra o que a ONU chama de "limpeza étnica".
"Estamos preparados para iniciar o processo de verificação a qualquer momento", afirmou a dirigente de fato de Mianmar em referência à minoria muçulmana que fugiu para Bangladesh em um êxodo sem precedentes. Suu Kyi decidiu romper o silêncio, mas não na tribuna da ONU em Nova York, para onde desistiu de viajar, e sim em Naypidaw, a capital administrativa de Mianmar.
Um gesto simbólico, no momento em que o nacionalismo birmanês provoca muitas críticas internacionais pela situação dos refugiados que fugiram para Bangladesh depois de abandonar o estado de Rakhine, onde o exército realiza uma ampla campanha de represálias depois de vários ataques de um grupo rebelde desta comunidade no fim de agosto.
"Estamos preocupados após escutar sobre o volume de muçulmanos que fugiram para Bangladesh", disse Suu Kyi em um discurso em rede nacional de TV, no qual "condenou as violações dos direitos humanos e a violência ilegal", que podem ter exacerbado a crise.
"Estamos profundamente desolados com o sofrimento de todas as pessoas envolvidas neste conflito", declarou a líder birmanesa, citando tanto a minoria rohingya como a população budista que foge de suas vilas na zona do conflito.
"Não desejamos que Mianmar se divida entre crenças religiosas", afirmou. "Condenamos todas as violações dos direitos humanos", destacou Aung San Suu Ky em seu discurso desta terça-feira, no qual não condenou a ação do Exército, acusado de incendiar vilas e atirar contra civis rohingyas.
"As forças de segurança receberam instruções para adotar todas as medidas visando evitar danos colaterais e que civis sejam atingidos" durante as operações antiterroristas. A organização Anistia Internacional (AI) lamentou, no entanto, que Aung San Suu Kyi não tenha condenado explicitamente o papel do Exército.
"Existem provas esmagadoras de que as forças de segurança realizam uma campanha de limpeza étnica" contra os rohingyas, afirmou a AI. "Continuam acontecendo incêndios no estado de Rakhine. Não é como se tudo tivesse parado em 5 de setembro", afirmou Phil Robertson, da Human Rights Watch (HRW), que exibiu fotos de satélites. A ONG voltou a pedir que a ONU adote sanções a Mianmar.
Os investigadores da ONU sobre a situação dos direitos humanos em Mianmar reiteraram nesta terça-feira a demanda de "acesso completo e sem obstáculos" ao país, onde, afirmaram, acontece uma grave crise humanitária.
"É importante que possamos ver com nossos próprios olhos os lugares onde aconteceram as supostas violações e conversar com as pessoas afetadas e as autoridades", declarou o presidente da missão, Marzuki Darusman, ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra.
Rejeição aos rohingyas
A rejeição aos rohingyas, considerados estrangeiros em situação ilegal neste país com mais de 90% de sua população budista, é muito comum entre os birmaneses.
Desde que a nacionalidade birmanesa foi retirada do grupo em 1982, os rohingyas passaram a sofrer muitas limitações: não podem viajar nem casar sem autorização, não têm acesso ao mercado de trabalho nem aos serviços públicos (escolas, hospitais).No ano passado, na Assembleia Geral da ONU, Aung San Suu Kyi havia prometido defender os direitos desta minoria e opor-se aos "preconceitos e à intolerância".
"Este compromisso com o retorno dos refugiados segundo os termos do acordo de 1992 é algo novo e importante", disse Richard Horsey, analista independente que mora em Mianmar. Mas longe do discurso destinado especialmente à comunidade internacional, os birmaneses consideram amplamente que os rohingyas não são parte da nação birmanesa.
Aung San Suu Kyi sugeriu o contrário nesta terça-feira ao afirmar que segue a posição de seu pai, Aung San, líder da independência birmanesa: a Constituição de 1947 permitiu a uma grande parte dos rohingyas obter um estatuto legal e o direito a voto. Mas a ditadura militar instaurada em 1962 utilizou o ódio contra os muçulmanos e a lei birmanesa sobre a nacionalidade de 1982 deixou os rohingyas apátridas.
Aung San Suu Kyi se distancia, diplomaticamente, do comandante das Forças Armadas, o general Min Aung Hlaing, que nas sombras é o homem chave deste caso. A questão dos rohingyas "é uma causa nacional e devemos permanecer unidos para estabelecer a verdade", ou seja, que esta comunidade apátrida não tem nada de birmanês, advertiu no sábado o general Min Aung Hlaing no Facebook.