Agência France-Presse
postado em 27/09/2017 22:16
Os ferimentos dolorosos sofridos durante 32 horas sob os escombros não minam a energia transbordante de Adela, uma atriz excêntrica de 87 anos que pede maquiagem, câmeras e ação para contar, do hospital, seu reaparecimento inesperado após o sismo no México. "Estou viva e atenta", diz sorrindo à AFP Adela Peralta, conectada a uma série de aparelhos médicos que tratam suas duas fraturas na coluna e lesões no esôfago.
Antes de relatar seu surgimento entre as ruínas quando os socorristas já a davam como morta, a idosa pede que passem batom em seus lábios e que a adornem com um glamouroso chapéu e uma estola atigrada. "Luz, câmera, ação", exclama com humor esta senhora multifacetada antes de responder as perguntas com entusiasmo.
[SAIBAMAIS]Ao longo da vida, Adela foi vedete, humorista, mágica, mãe de três filhos, campeã mundial de pesca e feminista comprometida. No México, é a palhacinha mais veterana graças a Tiki Tiki, a personagem de nariz vermelho com a qual faz as crianças rirem. Agora, depois da sua resistência sob os escombros deixados pelo terremoto de 7,1 graus que sacudiu o México em 19 de setembro, Adela possui um novo título: "Sou um milagre de Deus", assegura.
O edifício em que vivia, no extremo sul da Cidade do México, ficou intacto após o devastador sismo de 8,1 graus em 1985, que deixou mais de 10.000 mortos no país. Mas o tremor da semana passada - que até agora deixou mais de 330 mortos - o reduziu a escombros, deixando seu apartamento térreo enterrado sob uma montanha de poeira. Sair com vida de lá foi uma maratona de resistência contra o tempo, o ceticismo e a dor.
"Bibidi bobidi bu"
"Quando começou a tremer, na minha frente tinha um espelho do tamanho de toda a parede, e se desprendeu uma pedra de um metro e meio, e a porta da cozinha tapou a entrada do apartamento. A luz se apagou e eu fiquei apoiada em uma posição muito incômoda, não consegui sentar bem em nenhum momento durante as 32 horas", relata Adela. Durante a espera interminável, teve alucinações com filhotes e crianças brincando. Também estava preocupada com a sua família. "Lembrava dos meus filhos, os três, e pensava: sobreviverão? Rezava e rezava", conta.
Várias pessoas foram resgatadas do edifício de Adela. No início saíam com vida, mas à medida que o tempo passava começaram a sair só cadáveres, entre eles o de uma avó abraçada a sua neta, conta Sara Peralta, filha de Adela. Para suportar a espera angustiante em frente às ruínas, Sara pegou a varinha mágica de sua mãe, esperando que aparecesse.
"Bibidi bobidi bu, que Tiki Tiki apareça aqui", clamava apontando a varinha para os escombros. "Achavam que eu estava tendo um ataque de histeria", conta Sara rindo. Trinta horas depois do terremoto, os socorristas já não registravam sinais de vida e só esperavam encontrar o cadáver de Adela, a última pessoa que restava sob os escombros.
A missão de recuperar o corpo parecia tão impossível que muitos sugeriram retirar as equipes de resgate e intervir com maquinaria pesada para remover as ruínas rapidamente.
Um aplauso "especial"
De repente, entre a escuridão, Adela escutou uma voz que lhe disse: "Senhora, não saia daqui, vamos retirá-la". "E eu pensei: aonde poderia ir, se não consigo nem ficar de pé?", diz Adela. Lá fora, o silêncio expectante que rodeava a cena foi interrompido por gritos. "Está viva, está viva", diziam eufóricos os socorristas ao ver a cabeça branca sair por um estreito orifício entre pedras e varas de metal. Um estremecedor coro de ovações e aplausos irrompeu em resposta.
O momento em que encontraram a idosa ficou imortalizado em um vídeo feito em 20 de setembro por um dos bombeiros que participou do resgate. "Senti o aplauso rotundo e de alegria de todos quando souberam que eu estava viva", lembra Adela, que adora estar em frente às câmeras e está acostumada às ovações.
Mas esse aplauso foi "totalmente especial, foi um aplauso divino, totalmente maravilhoso para o meu coração", diz com a voz entrecortada. Os planos de Adela para quando sair do hospital? "Viver, viver, viver".