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Entenda o que é o ELN, a última guerrilha ativa na Colômbia

Última guerrilha ativa da Colômbia fechou um acordo com o governo para o primeiro cessar-fogo bilateral em 50 anos

Agência France-Presse
postado em 30/09/2017 14:33
Bogotá, Colômbia - De raízes católicas, admiradora de "Che" Guevara e com uma estrutura federada, o Exército de Libertação Nacional (ELN), última guerrilha ativa da Colômbia, fechou um acordo com o governo de Juan Manuel Santos para o primeiro cessar-fogo bilateral em meio século de luta armada.

Confira abaixo, alguns pontos-chave sobre este grupo rebelde:

Quando surgiu

O ELN foi fundado em 4 de julho de 1964 por sindicalistas e estudantes, muitos dos quais haviam recebido formação em Cuba e eram simpatizantes de Ernesto "Che" Guevara.

Seis meses depois realiza sua primeira ação militar: a tomada de Simacota, um povoado do nordeste da Colombia, onde mata cinco militares.

No ano seguinte, uniu-se à organização o padre colombiano Camilo Torres (1929-1966), que morreu quatro meses depois em um de seus primeiros combates.

Camilo é o pioneiro da confluência do catolicismo e do marxismo na luta rebelde, disse à AFP o cientista político Darío Villamizar, autor de "Las guerrillas de Colombia".

Além dele, somaram-se ao movimento três sacerdotes espanhóis, entre eles Manuel Pérez (1943-1998), que chegou a comandar a guerrilha. Esses religiosos eram expoentes da Teologia da Libertação, corrente da Igreja católica latino-americana que reivindica a luta a favor dos mais pobres. Esta influência religiosa se mantém até hoje.

O cessar-fogo será verificado pela ONU e pela Igreja católica.

Batismo de sangue

Entre agosto e outubro de 1973, o Exército lançou a operação "Anorí" contra o ELN.

Manuel e Antonio Vásquez Castaño, irmãos do líder e fundador, morrem junto com dezenas de rebeldes. Fabio Castaño, um líder implacável, é afastado do comando e se refugia em Cuba.

Essa derrota é "um golpe de realidade" e, a partir desse momento, a guerrilha entende que não pode ser aniquilada, disse à AFP o cientista político e especialista no ELN, Víctor De Currea-Lugo.

A Revolução Cubana, Camilo Torres e Anorí "são os três marcos históricos do ELN", acrescenta.

Reestruturação

Os padres espanhóis lideram a reestruturação da guerrilha, que ressurge com força.

Em 1983, uma nova direção é nomeada, com Manuel Pérez à frente. No ano seguinte, o ELN ataca pela primeira vez o oleoduto Caño Limón Coveñas.

O grupo, que desde então defende a nacionalização dos recursos naturais, obtém importantes recursos da extorsão a empresas transnacionais, do sequestro de civis, incluindo estrangeiros, e, mais adiante, dos narcocultivos.

Nicolás Rodríguez Bautista, o "Gabino", que entrou no ELN aos 14 anos, passa a liderar a guerrilha após a morte de Pérez, por causas naturais, em 1998.

Golpes e perdões

Em outubro de 1989, o ELN mata o monsenhor Jesús Jaramillo no departamento de Arauca, acusando-o de colaborar com os militares.

Foi um "erro", admitiria anos depois Pablo Beltrán, chefe negociador da guerrilha.

Este não seria o único "mea-culpa". Cerca de 70 moradores pobres morrem na explosão de um oleoduto em Machuca (Antioquia) en 1998, em uma ação considerada pelo ELN como um dano colateral.

Em 1999, sequestra um avião da Avianca com 46 passageiros e, em outra espetacular ação, leva como reféns cerca de 200 fiéis da igreja La María, perto de Cali.

Os reféns vão sendo soltos aos poucos, muitos após pagamento de resgate. A ONG País Libre calcula que até 130 pessoas tenham desaparecido nas mãos do ELN.

O que diferencia o ELN das Farc

Enquanto as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) - já desarmadas e convertidas em um partido político - foram uma organização muito vertical, o ELN tem uma estrutura mais "federada", com voz própria em cada frente, segundo o cientista político Víctor de Currea-Lugo.

Apesar do COCE, a "coesão" do ELN está em xeque pela "flexibilização dos comandos", segundo o pesquisador do conflito Camilo Echandía.

Presente em uma dúzia de departamentos do país, o ELN teve menor capacidade de fogo que as Farc em todo território, mas sua base social, composta por milicianos, é mais ampla, segundo especialistas.

As duas guerrilhas foram financiadas pelo narcotráfico, pela mineração ilegal, pela extorsão e pelo sequestro.

"Se há uma guerrilha sequestradora, é o ELN", afirmou o diretor do centro de análises do conflito Cercac, Jorge Restrepo.

De 1986 até junho de 2016, eram-lhe atribuídos entre 120 e 130 sequestrados que desapareceram em seu poder, segundo a ONG País Livre.

A ênfase das Farc nas negociações de paz esteve no desenvolvimento agrário e na repartição de terras, enquanto a do ELN é a participação da sociedade nos diálogos.

Tentativas de paz

O ELN protagonizou quatro tentativas fracassadas de negociações de paz.

A primeira foi no início dos anos 1990 com o então presidente César Gaviria (1990-94); depois, com os governos de Ernesto Samper (1994-98) e Andrés Pastrana (1998-2002); e outra durante o período de Álvaro Uribe (2002-10), atualmente senador e ferrenho opositor aos acordos selados em novembro passado entre o governo de Juan Manuel Santos e as Farc (marxistas).

Como chegam ao diálogo em Quito

Após aproximações secretas desde janeiro de 2014, o governo e o ELN anunciaram há dez meses que estavam prontos para iniciar negociações formais de paz.

"Antes, nunca houve mesa formal, nem trégua bilateral", comentou De Currea-Lugo.

A instalação da mesa estava prevista para outubro, mas atrasou devido à exigência de Santos de que, primeiro, o ex-congressista Odín Sánchez, refém dos rebeldes desde abril, fosse libertado. Isso finalmente se concretizou em 2 de fevereiro, junto com o indulto a dois guerrilheiros presos, Nixon Cobos e Leivis Valero.

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