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'Ataques' de Havana prejudicam aproximação entre Cuba e EUA

Na semana passada, Washington suspendeu indefinidamente a concessão de vistos em Cuba e retirou mais da metade dos funcionários de sua embaixada em Havana, devido aos riscos que estariam correndo na ilha

Agência France-Presse
postado em 04/10/2017 17:56

O caso dos "ataques à saúde" sofridos por diplomatas americanos em Havana desestabiliza a reaproximação diplomática já enfraquecida pela relação mais dura imposta por Donald Trump, com consequências imediatas sobre a família cubana, separada pelo Estreito da Flórida.

[SAIBAMAIS]Em frente à embaixada dos Estados Unidos em Havana, onde as atividades consulares foram suspensas por tempo indefinido desde a semana passada, pequenos grupos de cubanos que optam por vistos esperam longas horas para saber qual será a sua sorte.

"Não sabemos nem mesmo se vão abrir, não temos informação. Mesmo as pessoas que tem horário marcado não sabem o que está acontecendo", explica, desiludido, Luis Rolando Cabriada, um jovem de 28 anos que há seis meses começou os trâmites para encontrar-se com sua mãe, que vive na Flórida.

Na semana passada, Washington suspendeu indefinidamente a concessão de vistos em Cuba e retirou mais da metade dos funcionários de sua embaixada em Havana, devido aos riscos que estariam correndo na ilha.

No centro das tensões, estão os ataques "dirigidos" que causaram em 22 diplomatas perda de audição, enjoos, dores de cabeça e problemas cognitivos, de equilíbrio ou transtornos de sono. Segundo Washington, os fatos aconteceram entre o final de 2016 e agosto deste ano em residências diplomáticas e hotéis frequentados pelos americanos.

Até o momento, não se sabem as circunstâncias nem de quem é a responsabilidade desses ataques, mas o assunto coloca em risco as relações bilaterais, já fragilizadas por um governo de Trump que têm aumentado cada vez mais o tom com Cuba.

Na terça-feira, Havana lamentou "a deterioração atual e provavelmente futura das relações bilaterais" como consequência deste tema. Washington acaba de anunciar a expulsão de 15 diplomatas cubanos por conta da retirada da equipe de sua embaixada em Havana, reaberta em agosto de 2015.

Christopher Sabatini, da Universidade de Columbia (Nova York), se diz surpreso com a retirada dos funcionários americanos de Cuba. Para ele trata-se de uma "medida que não tem uma lógica diplomática, porque não se sabe a origem dos ataques".


"Alguém quer prejudicar as relações entre os dois países e está conseguindo", acrescentou o especialista.

Para Paul Webster, professor de Relações Internacionais da Universidade de Boston, "a era do compromisso construtivo foi substituída por outra fase, na qual o governo cubano é visto como hostil".

Webster, ex-embaixador britânico em Cuba, lembra que em seu recente discurso na ONU, Trump chamou o governo cubano de "corrupto e desestabilizador".

- Pressões em Washington -

Autorizado a enviar à ilha investigadores do FBI, Washington se absteve até agora de acusar diretamente o governo cubano, mas a investigação não avança, e Havana é considerada responsável pela segurança desses diplomatas.

"Apesar de o FBI não ter publicado resultados sobre isso, as explicações cubanas dos ataques não foram convincentes", indica Webster.

Alegando a "incapacidade de Cuba" para proteger os diplomatas americanos, o Departamento de Estado passou à ofensiva, estimulado por vários congressistas, entre eles o senador republicano pela Flórida, Marco Rubio, inspirador do endurecimento adotado por Washington com Havana.

Em resposta, Cuba criticou as medidas que "têm um caráter eminentemente político", tomadas "sem provas", e advertiu seu antigo inimigo da Guerra Fría sobre a "escalada indesejada".

"O episódio, que parece ter saído dos livros da Guerra Fria, alerta sobre quão frágil são os avanços conseguidos sob a administração Obama no caminho da normalização diplomática entre Cuba e Estados Unidos", adverte o especialista cubano Arturo López-Levy, professor na Universidade do Texas Valle do Río Grande.

O acadêmico cubano Esteban Morales considera que essas decisões "vão complicar todo o processo migratório" entre os dois países, com consequências inevitáveis sobre a reunificação familiar, principalmente na Flórida, onde vivem cerca de dois milhões de cubanos ou descendentes.

No entanto, os vínculos estão mantidos e poucos observadores antecipam uma ruptura, ressaltando que os dois países continuam expressando sua vontade de cooperar.

"Não acho que isso será levado ao limite de romper as relações bilaterais", avalia Morales.

Webster vê um motivo de esperança no fato de o governo Trump "ainda não ter revogado as medidas de Obama", que flexibilizaram o embargo contra a ilha.

Já Sabatini ressalta que até agora os dois países demostraram "certa maturidade", mantendo-se a cooperação. "Vamos a ver o que encontram com as investigações".

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