Agência France-Presse
postado em 23/11/2017 10:45
Dacca, Bangladesh - Os governos de Bangladesh e Mianmar chegaram nesta quinta-feira (23/11) a um acordo sobre a volta em um prazo de dois meses dos quase 600 mil rohingyas que fugiram das terras birmanesas desde o final de agosto.
O texto "estipula que o programa de retorno deve começar em dois meses", indicou o ministério das Relações Exteriores de Bangladesh em um comunicado. A declaração, que não usa o termo "rohingya" - que as autoridades birmanes rejeitam -, simplesmente se refere a "pessoas deslocadas do estado de Rakhine", uma região do oeste de Mianmar, epicentros da violência.
Não são especificados os critérios de repatriação ou o número de pessoas envolvidas neste programa. Desde o final de agosto, centenas de milhares de muçulmanos rohingyas fugiram da violência considerada pela ONU como uma limpeza étnica.
[SAIBAMAIS]Esta onda humana inundou Bangladesh e gerou uma das mais graves crises humanitárias do início do século XXI na Ásia. Este êxodo se soma a outros fluxos maciços de rohingyas ao Bangladesh nas últimas décadas, particularmente em 1978 e 1991-1992.
Programas de retorno a Mianmar já ocorreram, mas o ressurgimento da violência coloca em risco a sua eficácia. Este anúncio ocorre alguns dias antes da visita do papa Francisco aos dois países. O pontífice argentino estará em Mianmar de 26 a 30 de novembro e em Bangladesh de 30 de novembro a 2 de dezembro.
- Apátridas -
Um milhão de rohingyas vivem em Mianmar, alguns há várias gerações. Para os birmaneses, porém, são bengalis, o que faz deles a maior população apátrida do mundo. A atual crise tem raízes na divisão das Índias britânicas, que incluíam Mianmar e Bangladesh. Muçulmanos sunitas, falam um dialeto de origem bengali utilizado no sudeste do Bangladesh, de onde são originários.
Muitos vivem no estado de Rakhin, no noroeste de Mianmar. A lei birmanesa sobre a nacionalidade, de 1982 especifica, concretamente, que apenas os grupos étnicos que podem demonstrar sua presença no território antes de 1823, data da primeira guerra anglo-bereber que levou à sua colonização, podem obter a nacionalidade birmanesa.
No entanto, os representantes dos rohingyas garantem que sua comunidade tinha representantes neste país há muito mais tempo. Nos últimos anos, milhares deles fugiram de Mianmar para a Malásia, ou para a Indonésia. Outros decidiram seguir para Bangladesh, país para onde dezenas de milhares já fugiram desde o início da violência entre o Exército birmanês e os rebeldes no final de agosto.
Considerados estrangeiros em Mianmar, os rohingyas são vítimas de múltiplas discriminações: trabalho forçado, extorsão, restrições à liberdade de circulação, regras de casamento injustas e confisco de terras. Eles também têm acesso limitado à educação e a outros serviços públicos. Desde 2011 e da dissolução da junta militar que imperou por quase meio século no país, as tensões entre as comunidades aumentaram.
Um poderoso movimento de monges nacionalistas não se absteve de provocar o ódio, considerando que os muçulmanos representam uma ameaça para Mianmar, um país com mais de 90% de sua população budista. Em 2012, foram registrados confrontos violentos entre budistas e muçulmanos, deixando quase 200 mortos, especialmente muçulmanos.
Em outubro passado, houve novos surtos de violência: o Exército lançou uma grande operação, após ataques a postos de fronteira por homens armados no norte do estado de Rakhin. Acusando as forças de segurança de múltiplos excessos de violência, milhares de civis abandonaram seus povoados. A mesma situação se repete desde agosto, mas de forma mais grave.
Os ataques que provocaram a operação militar foram reivindicados pelo Exército de Salvação Rohingya de Arakan, um grupo que surgiu recentemente na ausência de avanços por parte do governo birmanês na questão dos rohingyas. Uma comissão internacional liderada pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan pediu recentemente a Mianmar que conceda mais direitos à sua minoria muçulmana.