Jorge Vasconcelos
postado em 20/12/2017 06:59
O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, e o presidente deposto do governo da Catalunha, Carles Puigdemont, voltam a se enfrentar amanhã, em uma eleição regional marcada pela polarização entre blocos de partidos constitucionalistas e independentistas. O pleito é visto como um novo referendo sobre a independência da Catalunha, uma das regiões mais prósperas da Espanha ; em 1; de outubro, uma consulta popular foi vencida pelos separatistas, mas considerada nula pelo Tribunal Constitucional de Madri. Uma das incógnitas do embate, além do resultado, é se Puigdemont, candidato autoexilado na Bélgica, está disposto, como disse, a ;correr o risco; de retornar à Espanha, onde enfrenta uma ordem de prisão.
[SAIBAMAIS]Na antevéspera da breve campanha para a eleição antecipada, os candidatos corriam contra o tempo. O pleito foi convocado por Rajoy em 27 de outubro, quando respondeu à declaração unilateral de independência destituindo o governo regional catalão, decretando intervenção deferal e dissolvendo o parlamento local. Com a votação de amanhã, os separatistas tentam recuperar tanto o governo quanto a maioria absoluta que mantinham no legislativo desde 2015.
;Nós, catalães, demonstramos ao mundo que temos a capacidade e a vontade de nos tornarmos um Estado independente. No dia 21, devemos ratificar essa intenção;, reitera o presidente deposto, candidato pela frente Juntos pela Catalunha (JxCat). Ele encerrou a campanha, na noite de ontem, falando aos eleitores por videoconferência ; como fez ao longo de toda a disputa.
Para Rajoy, a vitória do candidato do Partido Popular (PP), Xavier García Albiol, seria o caminho ideal para ;recuperar a Catalunha de todos;, atraindo de volta as milhares de empresas que transferiram suas sedes para outras regiões, no ápice da crise provocada pelo movimento separatista. ;Essas eleições decidem se voltamos à normalidade, à Constituição, ao que é razoável, sensato;, disse o premiê espanhol, durante comício. Nos últimos dias, ele se envolveu ainda mais na campanha, diante dos números desfavoráveis das pesquisas.
Polarização
A eleição de amanhã vai escolher o presidente regional e os 135 deputados. Puigdemont encabeça a lista Juntos Pela Catalunha (JxCat), de cunho independentista conservador, depois de não ter conseguido formar uma chapa única. Outras listas separatistas são a Candidatura de Unidade Popular (CUP) e a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) ; esta última encabeçada pelo ex-vice de Puigdemont, Oriol Junqueras, que está preso em Madri com outros líderes separatistas.
Do lado constitucionalista estão o Partido Popular (PP), de Rajoy, o centrista Cidadãos e o Partido Socialista da Catalunha (PSC). Além das seis listas polarizadas, há também a Catalunya em Comú-Podem, da extrema-esquerda não independentista, que apresenta certa neutralidade.
Segundo várias sondagens eleitorais, o Cidadãos (direita liberal constitucionalista) lidera as intenções de voto, seguido de perto pela Esquerda Republicana da Catalunha, que é de esquerda moderada independentista. O Juntos pela Catalunha, de Puigdemont, aparece em terceiro lugar. Com menos votos ficariam o PP e a CUP.
As sondagens mostram também que nenhuma das listas deve conseguir a tão desejada maioria absoluta no Parlamento catalão ; ao menos 68 das 135 cadeiras em disputa. Nesse contexto, o apoio do Catalunya em Comú-Podem, até agora neutro, deve ser disputado pelos dois blocos polarizados para uma possível coalizão que permita a formação de uma base majoritária.
Para Kai Lehmann, professor de Relações Institucionais da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Grupo de Análise de Conjunturas Internacionais (Gacint-USP), o impasse político na Catalunha vai continuar, seja qual for o resultado da eleição
;A Espanha, diferentemente de países como o Brasil e a Alemanha, não é uma federação, e a Constituição espanhola veta qualquer tipo de separação. A única saída para o impasse é o restabelecimento da constitucionalidade das ações políticas;, explica Lehman. ;Dessa forma, é fundamental uma negociação com o governo central para, ao menos, ampliar a autonomia da região, que deverá ser devolvida após as eleições.;
Depoimento
Patu Antunes, 44 anos, trabalha com marketing e é dona de uma loja virtual em Barcelona
Os independentistas estão tentando transformar essas eleições em um novo referendo. Ainda sem posição fechada sobre como fazer uma hipotética independência, se por via unilateral ou não, eles querem fazer da votação (de amanhã) um instrumento para que o governo central aceite a independência de qualquer jeito, caso os separatistas consigam a maioria de cadeiras no parlamento catalão. Já os que não apoiam a independência, os constitucionalistas, podem querer duas coisas: continuar apoiando a unidade da Espanha ou abrir uma discussão sobre a independência futuramente. Aqui, apesar de o voto ser facultativo, a expectativa é de que a participação seja bem alta. Aqui, as eleições são diferentes das do Brasil: não vira aquele ;Fla-Flu; na rua e há pouca propaganda. O clima está tranquilo.