Agência France-Presse
postado em 21/12/2017 08:18
Lima, Peru - O presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski, qualificou nesta quarta-feira (20/12) de "golpe" de Estado o pedido de impeachment contra ele por seu envolvimento com o grupo brasileiro Odebrecht, e garantiu que defenderá sua "capacidade moral" diante do Congresso.
"Defenderei minha capacidade moral" na sessão do Congresso que analisará o pedido de impeachment, declarou o presidente em breve mensagem transmitida em rede nacional, ao lado dos vice-presidentes, Martín Vizcarra e Mercedes Aráoz.
"A Constituição e a democracia estão sob ataque. Estamos diante de um golpe sob o disfarce de interpretações legais supostamente legítimas", advertiu Kuczynski, que pediu "desculpas" ao povo peruano por ter sido "desleixado" ao administrar seus negócios.
"O descuido e o desleixo são defeitos, mas nunca foram e jamais serão para mim ferramentas de desonestidade e muito menos de crime", afirmou o presidente, que denunciou "a atitude agressiva da maioria opositora que controla o Congresso", em referência ao partido de Keiko Fujimori.
O presidente apresentará suas alegações das 09h00 local (12h00 de Brasília) desta quinta-feira (21/12) a um Congresso dominado pela oposição e decidido a destituí-lo.
Kuczynski entrou nesta quarta em um tribunal constitucional de Lima com um recurso no qual destaca que "em nenhum momento foi convocado para prestar depoimento na comissão da Lava Jato do Congresso sobre a informação que o vinculava à Odebrecht".
[SAIBAMAIS]Segundo o presidente, a comissão parlamentar "ignorou sua disposição de esclarecer" o caso e "motivou o Parlamento a debater a vacância presidencial por incapacidade moral permanente sem qualquer prova determinante", proposta que o Congresso "admitiu autoritariamente".
Kuczynski corre o risco de virar o primeiro presidente a perder seu posto por causa da Odebrecht, que admitiu ter pagado milhões de dólares em propinas em vários países latinos-americanos para obter importantes contratos de obras públicas.
A pedido de Kuczynski, a OEA enviará uma missão a Lima para observar o processo de impeachment. O grupo será integrado por Jean Michel Arrighi, secretário de Assuntos Jurídicos da organização, e por Gustavo Cinosi, assessor sênior do secretário-geral, Luis Almagro.
O primeiro-vice-presidente peruano, Martín Vizcarra, que assumiria o governo caso destituam o presidente, chegou ao Peru e afirmou sua lealdade ao presidente. "O presidente me pediu que retorne hoje e aqui estou, ao lado do presidente. Primeiro para escutá-lo e para que esclareçam todas as dúvidas", disse à imprensa Vizcarra, que também é embaixador peruano no Canadá.
Cinco milhões de dólares?
Kuczynski apresentará suas alegações das 09h locais (12h, hora de Brasília) a um Congresso dominado pela oposição, decidido a destituí-lo, oito dias depois de o escândalo Odebrecht fazer outra vítima proeminente, o vice-presidente equatoriano Jorge Glas, condenado a seis anos de prisão por receber propinas.
Empresário de 79 anos com experiência e amigos em Wall Street, Kuczynski alega que nunca recebeu pagamentos ilegais da empresa brasileira, mas três em cinco peruanos consideram que ele deve deixar o poder, segundo pesquisas de opinião.
Depois de ouvir as alegações do chefe de Estado, o Congresso unicameral manterá um debate antes de iniciar a votação pelo impeachment por ter ocultado que empresas vinculadas a ele prestaram assessoria para a Odebrecht, pelas quais pagou quase cinco milhões de dólares.
Para aprovar a vacância por "incapacidade moral permanente" de Kuczynski, com base em que negou insistentemente os vínculos com a empreiteira para depois ser desmentido pela própria empresa, são necessários 87 dos 130 votos do Parlamento. Os votos parecem certos, visto que o processo de impeachment foi solicitado por 93 legisladores.
Fora todos
O partido fujimorista Força Popular, que mantém contra as cordas Kuczynski desde que começou seu mandato, em julho de 2016, exigiu há alguns dias sua renúncia para evitar o impeachment.
Mas os acordos do presidente tampouco estão isentos de suspeitas: a própria líder do Força Popular, Keiko Fujimori (filha do ex-presidente detido Alberto Fujimori), é investigada por causa da Odebrecht e terá que depor na Procuradoria. Ela deveria fazê-lo nesta quarta-feira, mas pediu para adiar a entrega de seu testemunho.
Na noite desta quarta-feira, milhares de pessoas participaram de um protesto em Lima contra a corrupção e pela saída "de todos os corruptos".
A passeata começou na Praça San Martín, a cerca de 500 metros do Palácio de Governo, e prosseguiu pela central Avenida Abancay. No final da passeata, a polícia lançou bombas de gás lacrimogêneo contra um grupo que tentou chegar à Praça San Martín por um caminho não autorizado.
A Odebrecht admitiu ter pago 29 milhões de dólares em propinas para obter obras no Peru entre 2004 e 2015, período que abarcou os governos de Alejandro Toledo (2001-2006), do qual Kuczynski foi ministro; Alan García (2006-2011); e Ollanta Humala (2011-2016).
Humala permanece em prisão preventiva, acusado de receber três milhões de dólares para sua campanha eleitoral de 2011, enquanto que contra Toledo pesa uma ordem de extradição dos Estados Unidos, por supostamente receber 20 milhões de dólares em propinas para conceder à Odebrecht a construção de uma rodovia.
O crescimento econômico em risco
O caso Odebrecht e o processo de destituição estão provocando prejuízos econômicos. Embora o Peru registre um crescimento superior ao de seus vizinhos (3,9% em 2016), o país teve que cortar em um ponto percentual suas expectativas para 2017 a 3,8% devido à paralisação de algumas obras.
Kuczynski previu em julho que a economia peruana cresceria mais de 4% em 2018 com a retomada dos grandes projetos de infraestrutura, mas esta meta agora parece distante.
O legislador governista Juan Sheput propôs que se o Congresso destituir Kuczynski, os dois vice-presidentes peruanos renunciem. Isto obrigaria a convocação de novas eleições, o que provocaria maiores turbulências econômicas, segundo analistas.