Agência France-Presse
postado em 13/01/2018 12:47
O papa Francisco vai se reunir no Chile com os "mais pobres entre os pobres", o lado menos visível de um dos países com maior desenvolvimento econômico da América Latina, mas que esconde uma profunda desigualdade e segregação social.
Francisco vai visitar o Lar de Cristo, a maior entidade de ajuda social no Chile, que atende a cada ano cerca de 37 mil pessoas - idosos, crianças, sem-teto e dependentes químicos.
"Fazem parte dos mais pobres entre os pobres no Chile", disse à AFP o sacerdote Pablo Walker, capelão do Lar de Cristo, uma instituição fundada em 1944 pelo jesuíta Alberto Hurtado, primeiro santo chileno.
A oeste de Santiago, um lugar pouco visitado pelos turistas que se multiplicam na capital chilena, estão os escritórios centrais do Lar de Cristo, o santuário do padre Alberto Hurtado.
Ali, Francisco vai se reunir na próxima terça-feira com um pequeno grupo de "acolhidos" pela instituição para conhecer, em primeira mão, suas histórias, enquanto tomam um mate e comem as típicas sopaipillas, uma massa frita.
Eles representam o lado mais escondido do Chile, o país com maior receita per capita da região (cerca de 20 mil dólares) e o segundo com menor pobreza, embora seja um dos mais desiguais, como resultado da rigorosa aplicação de políticas neoliberais.
"A pobreza no Chile tem o traço da derrota, porque há uma narrativa de ser um país onde quem quer conseguir algo, pode. Então, os pobres não puderam", explica Walker.
;Pobreza disfarçada;
A pobreza no Chile caiu de 40%, no começo dos anos 90, aos 11,7% atuais, muito abaixo da média da América Latina, onde o índice aumentou em 2016, alcançando 30,7% da população (186 milhões de pessoas).
Mas, no Chile, há uma "pobreza disfarçada", conta à AFP o sacerdote jesuíta Felipe Berríos, que passou uma temporada na África e hoje vive em um dos assentamentos mais pobres do país, erguido sobre um aterro sanitário na região norte.
"Certamente o país tem padrões hospitalares e estabelecimentos educacionais melhores, mas diferentemente do que eu vi na África, onde não havia nada, essa é uma pobreza com coisas. Aqui, as pessoas têm coisas, mas são pobres", descreve o sacerdote.
E o consumismo - favorecido pelo amplo acesso ao crédito - provocou uma espécie de miragem, em que o Chile teria combatido a pobreza extrema, conta o religioso.
Quem passou anos deixado de lado, catando no lixo ou vivendo de esmolas, hoje pode comprar algo novo, mas em muitas parcelas, exemplifica o sacerdote, fundador da iniciativa Teto, que constrói casas sociais em toda a América Latina.
Segundo dados da Fundação Sol, quase 11 milhões de chilenos (de um total de 17,5 milhões) têm algum tipo de dívida.
Por isso, mesmo trabalhando, alguns continuam pobres, explica Recaredo García, economista e pesquisador da Fundação Sol. Ele calculou que, sem subsídios ou transferências estatais, a pobreza afetaria 26,9% dos chilenos, chegando a 28% no caso das mulheres.
"Quando se fala do crescimento econômico do Chile nas últimas décadas e que o resultado deste modelo neoliberal foi melhorar o poder aquisitivo das pessoas e suas condições de vida, as evidências empíricas nos indicam que não foi assim", conclui García.
A maioria dos lucros do crescimento econômico no Chile se concentraram nos setores mais ricos do país.
Um estudo recente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) identificou que 33% da receita gerada pela economia chilena fica nas mãos do 1% mais rico da população.
E 0,1% do segmento mais rico, cerca de 10 mil pessoas, concentra 19,5% da receita.
Enquanto 90% dos trabalhadores de classe média alta dizem que seu salário é bom para viver, 47% dos de classe mais baixa lutam para sobreviver.