Rodrigo Craveiro
postado em 21/01/2018 08:00
A lógica da Pax Americana ou a ideologia ;America First; (;A América em primeiro lugar;), defendida por Donald Trump, dilapidou alianças históricas da Casa Branca e realimentou o ódio em relação à política externa dos Estados Unidos, amainado durante a gestão de Barack Obama. No primeiro ano de governo, o presidente republicano se indispôs com outros mandatários, destilou retórica belicista sobre a Coreia do Norte, minou a parceria estratégica com o Paquistão, tensionou a relação com o Irã e implodiu qualquer chance de paz no Oriente Médio. Para especialistas, a postura errática do magnatatornou os EUA pouco confiáveis na arena internacional. No âmbito interno, a paralisação dos serviços públicos devido a um impasse orçamentário, iniciada ontem, reforça o cenário de turbulências (Leia mais na página 15).
Allan Lichtman, analista político e historiador da American University (em Washington) que prevê o impeachment de Trump até o fim do ano, admitiu ao Correio estar ;muito preocupado com a instabilidade criada pelo magnata no planeta;. Ele cita a abordagem isolacionista da política externa da Casa Branca e a erosão de laços essenciais para os EUA. ;Trump enfraqueceu o Departamento de Estado e tornou muito mais difícil para a América conduzir a diplomacia. Como sua palavra não pode ser creditada, ele se torna um parceiro internacional pouco crível;, explicou.
Se durante a campanha o republicano prometeu um acordo de paz duradouro entre israelenses e palestinos, em seu governo ele tratou de inflamar a violência, ao reconhecer Jerusalém como a capital de Israel. ;Trump sabotou a solução baseada em dois Estados para o conflito israelo-palestino. Ele deu à Arábia Saudita um cheque em branco para realizar uma guerra desastrosa contra os rebeldes houthis no Iêmen, a qual ameaça matar de fome milhões de iemenitas. Seu sabre chacoalhando com o Irã pode desencadear uma guerra regional;, disse Bruce Riedel, diretor do Projeto de Inteligência do instituto Brookings e ex-funcionário da Agência Central de Inteligência (CIA).
Historiador da Brown University, em Rhode Island, James Naylor Green compara a personalidade de Trump à de um menino de 7 anos, capaz de qualquer coisa quando se enraivece. ;Ele não tem disciplina, nem senso crítico. Precisa de segurança constante, mostra-se errático e pode provocar uma guerra nuclear ou algum outro tipo de conflito;, disse ao Correio. Green acredita que Trump não segue a cartilha de uma política externa transparente e opera com base em instintos. ;É um presidente desastroso;, dispara.
Piora
Para Leo Ribuffo, professor de história norte-americana pela George Washington University (em Washington D.C.), o mundo tornou-se mais perigoso com a ascensão de Trump ao poder. ;No entanto, devemos lembrar que, quando Obama deixou o cargo, os EUA estavam envolvidos, direta ou indiretamente, em quatro guerras substanciais: Iraque, Afeganistão, Síria e Iêmen, bem como em relações instáveis com Rússia, China e Coreia do Norte. O temperamento errático de Trump e a retórica áspera tornou os temas piores;, explicou, por e-mail. Segundo ele, a alusão ao ditador Kim Jong-un como ;homem-foguete; foi tomada como insulto na Coreia do Norte; os iranianos e os aliados europeus ficaram aborrecidos com a ameaça de abandono do acordo nuclear iraniano; e o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel foi uma provocação desnecessária.
De acordo com Ribuffo, os secretários Rex Tillerson (Estado) e Jim Mattis (Defesa) são mais prudentes que Trump, apesar de não ser claro o quanto são escutados pelo presidente. ;Finalmente, Trump é característico, mas incorpora uma atitude americana de longa data: a de que os EUA sabem o que é melhor para o mundo. Eu não vejo perspectiva de o presidente se tornar menos errático ou inflamatório em sua retórica nos próximos três anos. Isso não é bom para o mundo nem para o povo americano.;
Entre os poucos êxitos de Trump no front da política externa, está a vitória sobre o Estado Islâmico. A coalizão liderada pelos EUA e apoiada pelos peshmerga (guerrilheiros curdos) conseguiu expulsar o grupo terrorista de Iraque e Síria, onde mantinha base em Raqqa. Ao mesmo tempo, ao retuitar vídeos ofensivos ao islã e ao reconhecer Jerusalém como capital de Israel, Trump deu brecha para aumentar o ódio dos radicais islâmicos. Os próximos três anos prometem surpresas, ante a imprevisibilidade de um líder avesso a meias-palavras.
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Coreia do Norte
Donald Trump ameaçou Kim Jong-un com ;fogo e fúria; e chamou o ditador de ;cãozinho doentio; e de ;rocket man; (;homem-foguete;). O regime norte-coreano realizou testes nucleares e lançamentos de mísseis (foto). Trump avisou que poderá ;destruir totalmente o país; e aumentou o risco de guerra na Ásia.
Jerusalém
Em uma mudança de décadas da política americana, Trump reconheceu Jerusalém como a capital de Israel e atraiu a ira palestina e árabe. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, considerou a decisão uma ;bofetada na cara dos palestinos; e descartou conversações para pôr fim ao conflito no Oriente Médio (foto).
Crise com o Irã
Trump ameaçou abandonar o acordo nuclear firmado entre o Irã e seis potências ocidentais ; EUA, Reino Unido, Rússia, França, China e Alemanha. No último dia 12, prorrogou a suspensão do pacto e prorrogou sanções a Teerã, ;pela última vez;. Especialistas qualificam o acordo de ;revolucionário;.
Ofensas ao islã
Em 29 de novembro passado, Trump retuitou três vídeos considerados islamofóbicos que mostravam muçulmanos envolvidos em assassinato e profanação religiosa (foto). Inicialmente, Jayda Fransen, vice-presidente do Britain First, grupo de extrema-direita britânico, tinha publicado as imagens no Twitter.
Retrocesso em Cuba
Depois de avanços feitos por Barack Obama, que retomou as relações diplomáticas com Cuba, visitou Havana (foto) e reabriu a embaixada americana, Trump anunciou novas sanções contra a ilha. As medidas impedem cidadãos dos EUA de efetuarem transações comerciais com várias empresas cubanas.
Fronteira mexicana
O republicano insiste na construção de um muro na fronteira entre México e EUA (foto), para barrar a entrada de imigrantes ilegais. Trump insiste que a obra deve ser paga pelo país vizinho, o qual descarta tal possibilidade. A barreira teria um custo estimado de US$ 20 bilhões, considerados ;migalha; pelo magnata.
;Países de merda;
Durante reunião com congressistas no Salão Oval da Casa Branca, em 11 de janeiro, Trump se referiu ao Haiti (foto), a El Salvador e a nações africanas como ;países de merda;. Ofensas provocaram mal-estar diplomático, reações oficiais de repúdio e cobrança de explicações do governo norte-americano.
Mudanças climáticas
Em 1; de junho passado, Trump cumpriu a promessa de campanha e anunciou a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o clima, ao denunciar ;os encargos financeiros e econômicos draconianos; impostos pelo pacto aos Estados Unidos. A comunidade internacional condenou a decisão.