Jorge Vasconcelos
postado em 22/01/2018 06:00
Sem solução política à vista, a queda de braço entre o governo da Espanha e os separatistas da Catalunha se transformou em um imbróglio jurídico que deverá ser resolvido somente nos tribunais. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, e o presidente deposto do governo da Catalunha, Carles Puigdemont, principais adversários na crise, não cedem nem um milímetro em suas posições, enquanto uma das mais ricas regiões do país segue mergulhada em instabilidade e incertezas.
Rajoy tem privilegiado o recurso ao Judiciário desde as vésperas do referendo que, em 1;de outubro, confirmou a autodeterminação da Catalunha, por 90% dos votos. A seu pedido, o Tribunal Constitucional da Espanha considerou a consulta ilegal por ferir a Constituição, a qual proíbe a independência das regiões autônomas do país.
O referendo, apesar da proibição, foi violentamente reprimido pela Guarda Civil espanhola ; com saldo de mais de 800 feridos ; e serviu de base para o Parlamento catalão declarar a independência da região em 27 de outubro. No mesmo dia, o Senado espanhol acolheu o pedido de Rajoy pela aplicação do artigo 155 da Constituição e suspendeu a autonomia da Catalunha. O premiê assumiu a administração regional, dissolveu o Parlamento e convocou as eleições catalãs de 21 de dezembro.
Com a derrota do Partido Popular nas eleições, Rajoy ameaça voltar à Justiça para impedir que Puigdemont, de seu exílio na Bélgica, vote durante a sessão do Parlamento regional que vai formar o novo governo catalão. Os deputados têm até o fim do mês para eleger o presidente e o restante do Executivo.
Puigdemont foi deposto da presidência com a suspensão da autonomia da Catalunha e, agora, está cotado à reeleição, por meio de acordo entre os partidos independentistas ; eles retomaram a maioria no Parlamento e escolheram Roger Torrent, da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), para comandar a Casa.
Rajoy ameaça também manter a aplicação do artigo 155, caso Puigdemont insista em participar da sessão de investidura do novo governo a partir de Bruxelas, onde se refugiou acompanhado de quatro ex-conselheiros de seu antigo governo quando a Justiça espanhola emitiu as ordens de prisão contra eles. O grupo é processado por sedição, rebelião e desfalque, em função de seu envolvimento na campanha que resultou na declaração de independência da Catalunha.
Madri exige que Puigdemont esteja na Espanha para participar de todo o processo de investidura do governo. Também insiste que, se o separatista for eleito presidente, deverá ser empossado depois de receber a transferência do cargo das mãos do próprio primeiro-ministro, atual responsável pela administração da Catalunha. Uma cena considerada impensável no momento.
Obstáculo
Para o sociólogo Salvador Cardús, professor da Universidade Autônoma de Barcelona (leia o Três perguntas para), a judicialização da disputa entre Rajoy e Puigdemont é o principal obstáculo para a solução da maior crise política da Espanha no período da redemocratização. Ele defende a realização de um novo referendo sobre a autodeterminação da Catalunha. ;Em primeiro lugar, é necessário pôr fim à judicialização de um debate político. E, em segundo lugar, devemos deixar se expressar democraticamente, por meio de um referendo, a vontade política dos catalães. A estrada pode ser mais ou menos longa, mas o fim somente pode ser esse;, disse Cardús ao Correio.
Nesse embate jurídico, Puigdemont, por temer ser preso após eventual retorno à Espanha, tem insistido que seria possível e legal participar da investidura do novo governo a partir de Bruxelas. Ele e aliados no exílio anunciaram que pedirão ao Parlamento autorização para delegarem seus votos a outros deputados. Para o caso de uma recondução à presidência do governo catalão, o líder separatista afirma que seria constitucional tomar posse a distância e governar com o auxílio da internet e de outros recursos tecnológicos, como a videoconferência.
;Entre presidiário e presidente, prefiro ser presidente, porque, ao menos agora, posso fazer alguma coisa, já que na prisão não poderia;, disse o líder separatista. ;Hoje em dia, os grandes projetos empresariais, acadêmicos e de investigação são administrados, principalmente, por meio das novas tecnologias;, acrescentou. ;Na prisão, eu não poderia me dirigir às pessoas, escrever, ou até mesmo recebê-las;, concluiu o separatista, frisando que apenas seria possível governar em estado de liberdade e segurança.
"Entre presidiário e presidente, prefiro ser presidente, porque, ao menos agora, posso fazer alguma coisa, já que na prisão não poderia;
Carles Puigdemont, líder separatista catalão