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Brasil vai enviar 750 militares para as forças da ONU na África

Missão é considerada um desafio mais perigoso que o Haiti

Jorge Vasconcelos
postado em 29/01/2018 06:10
Blindados da força de paz das Nações Unidas patrulham a estrada para Bangui, a capital centro-africana: múltiplos grupos armados no conflito entre cristãos e muçulmanos
Até o fim deste semestre, 750 militares brasileiros deverão integrar, a convite da ONU, a Missão de Paz das Nações Unidas na República Centro Africana, onde confrontos entre grupos paramilitares já causaram milhares de mortes e obrigaram cerca de 700 mil pessoas a abandonar seus lares. Dez militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica viajaram ao país africano, na semana passada, para uma operação prévia de reconhecimento. A informação foi passada com exclusividade ao Correio pelo general Ajax Porto Pinheiro, adjunto do gabinete do Comando do Exército e último comandante da missão de paz encerrada, no ano passado, no Haiti. Segundo ele, faltam apenas uma discussão sobre custos operacionais e a autorização do Palácio do Planalto para que o envio da tropa seja formalizado.

;A tendência é mesmo no sentido de o Brasil participar dessa missão de paz. Militares do Ministério da Defesa estão na República Centro Africana em operação de reconhecimento do terreno, onde o norte é subsaariano, com deserto; o centro é de savanas e o sul tem florestas e rios caudalosos;, afirmou o general. ;Sou favorável ao envio da tropa, porque o Brasil é um país de peso e não pode se furtar a agir em zonas conflagradas. A participação em uma missão de paz confere significativa projeção internacional ao país, além de favorecer que a tropa seja melhor treinada;, acrescentou.

A Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização da República Centro Africana (Minusca) conta com cerca de 10 mil militares de diferentes países. As operações começaram no início de 2014, em meio a confrontos deflagrados com a deposição do presidente François Bozizé, agravados por uma disputa de cunho étnico e religioso entre cristãos e muçulmanos. O convite oficial para a participação brasileira na missão foi feito pela ONU, em 22 de novembro do ano passado. Segundo o general Ajax, os militares brasileiros deverão enfrentar desafios muito maiores que no Haiti.

;O grau de periculosidade na República Centro Africana é muito maior se comparado ao Haiti, pois são 10 grupos armados que combatem em um confronto entre muçulmanos e cristãos. Também disputam poder e o acesso às riquezas minerais, principalmente o diamante, que é muito disputado naquele país;, disse o militar, acrescentando que, atualmente, as missões de paz da ONU de maior de risco estão na República Centro Africana, no Congo, no Sudão do Sul e no Mali. Neste último, as tropas enfrentam inimigos como militantes da rede terrorista Al-Qaeda.


Haiti multiplicado


O oficial destacou também que a República Centro Africana, um dos países mais pobres do mundo, tem um território vinte vezes maior que o Haiti ; 600 mil km; contra 27 mil km; ;, o que exige outro tipo de preparação para os militares brasileiros. ;O Haiti tem um território equivalente à metade da Ilha de Marajó, e lá a nossa tropa praticamente ficava concentrada na zona urbana. Já a situação na República Centro Africana é bem diferente. São três ecossistemas diversos e há a ocorrência de emboscadas contra as tropas da ONU;, disse o general. No ano passado, 21 militares dessas tropas morreram em ataques.

O professor Juliano da Silva Cortinhas, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), não acompanha a opinião do general Ajax de que a participação do Brasil em missões de paz confere reconhecimento e prestígio internacional. ;Discordo totalmente dessa visão. Etiópia, Bangladesh e Índia são os países que mais enviam soldados para missões de paz, e não se tem notícia de que eles gozem de reconhecimento internacional;, disse Cortinhas. ;Na verdade, adquirem reconhecimento internacional os países que enviam para essas missões grupos de civis encarregados de garantir o orçamento e a distribuição dos recursos para as ações. Os Estados Unidos não têm nenhum militar em missões de paz. Têm, sim, muitos civis destacados para cuidar do financiamento;, disse o professor, acrescentando que o Brasil é o segundo maior devedor da ONU ; cerca de US$ 300 milhões.

;Não sou contra o envio de tropas brasileiras para missões de paz. Garantir a paz é muito importante, mas não para conferir prestígio a determinado país;, disse o professor. Segundo ele, o caminho para uma nação adquirir prestígio internacional deve começar por cuidados com a qualidade de vida da própria população e com a garantia dos direitos humanos.

;Em um passado não muito distante, o Brasil gozava de grande projeção no cenário internacional, em função de importantes conquistas sociais, como o combate à pobreza e à fome, além de outras políticas que deram dignidade à nossa população. Infelizmente, estamos assistindo a um preocupante retrocesso em termos de direitos sociais;, disse o docente, referindo-se, por exemplo, ao retorno do país ao mapa da fome.

10 mil
Total aproximado de efetivos da Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para Estabilização da República Centro Africana (Minusca)

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