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Egito: sonho de democracia deu lugar a regime militar opressivo

Há exatamente sete anos, milhares de jovens reunidos na praça do Cairo comemoravam a deposição de Hosni Mubarak, após revolução que deixou mais de 840 mortos.

Rodrigo Craveiro
postado em 11/02/2018 08:00
Fogos de artifício e celebração na Praça Tahrir lotada, na noite de 11 de fevereiro de 2011, depois do anúncio da renúncia de Hosni Mubarak: especialistas admitem que ditadura de Abdel Fattah Al-Sisi é ainda mais cruel
Durante 18 dias e noites, quando a angústia, o medo e a revolta insistiam em acampar no meio de Tahrir, milhares de egípcios buscavam inspiração no poeta Ahmed Fouad Negm (1929-2013) e recitavam um de seus mais famosos versos. ;Os homens corajosos são corajosos. Os covardes são covardes. Venham com os corajosos, juntos, até a praça;, clamavam. Em 11 de fevereiro de 2011, os bravos jovens reunidos na praça central do Cairo forçaram a renúncia do ditador Hosni Mubarak, após quase três décadas de governo. A Primavera Árabe parecia florescer democracia em um país sedento por liberdades civis.

Primeiro presidente eleito do Egito, o islamita Mohamed Morsy assumiu o poder em 30 de junho de 2012. Um ano depois, foi derrubado por uma junta militar. Abdel Fattah Al-Sisi, líder dos golpistas, assumiu o comando do país e, em junho de 2014, tornou-se o novo chefe de Estado, com suspeitos 97,6% dos votos. Todos os sonhos e aspirações, perseguidos pelos jovens de Tahrir, exatamente sete anos atrás, deram lugar a um regime que esmagou a oposição com mão de ferro, triplicou as sentenças de morte (60 em 2016 e 186 no ano seguinte) e dobrou o número de execuções ; 22, em 2015, e 44 em 2016. Em 19 de janeiro passado, Al-Sisi anunciou que tentará a reeleição no pleito, que deve ocorrer entre 26 e 28 de março. Detalhe: não haverá adversários.

;Há menos liberdades agora do que em qualquer época desde que o Exército ascendeu pela primeira vez ao poder, em 1952. Apesar de ditador, o ex-presidente Gamal Abdel Nasser era politicamente astuto. Al-Sisi é um neófito político, acredita que a política representa uma ameaça para ele e, por isso, faz o possível para silenciar qualquer comportamento que tenha remotas implicações políticas;, explicou ao Correio Robert Springborg, professor visitante do Departamento de Estudos de Guerra do King;s College, em Londres, e especialista do Middle East Institute.


Segundo Springborg, a população egípcia jamais esteve tão apavorada em relação a um regime. ;Isso é o que exatamente Al-Sisi pretende. O custo desse cenário não envolve somente a liberdade política, mas também o desempenho econômico. Como ele não pode permitir qualquer independência, se cercou de homens incapazes de controlar a economia. O presidente do Banco Central é sobrinho do ex-ministro da Defesa de Nasser, enquanto a chefe do Ministério de Investimentos é filha do responsável pelo setor de inteligência durante o governo de Nasser;, acrescentou. Sem expertise em economia, o Egito retrocede no bem-estar social.

Springborg admite que o regime de Al-Sisi modificou as relações-chave entre os três principais pilares do Estado: a presidência, o Exército e os serviços de segurança. ;Os militares agora exercem controle direto, enquanto Al-Sisi considera a inteligência militar como principal suporte de seu governo. Isso subordinou outros serviços de inteligência, que, durante o regime de Mubarak, serviam como contrapeso aos militares;, observou. Para o analista, o domínio absoluto do poder por parte dos militares subordinou o resto do governo, a sociedade civil e a economia ao controle do ex-general. Ele não hesita em afirmar que o modelo de Al-Sisi para o Egito é calcado no militarismo. ;Ele quer subordinar todos ao comando centralizado. É uma ditadura 100% genuína, do tipo das de Bashar Al-Assad, Saddam Hussein e Muamar Kadafi.;


Transição

Analista político egípcio, Amr Khalifa lembra que o seu país experimentou múltiplos períodos políticos nos últimos sete anos, desde a revolução que destituiu Mubarak. Entre 2011 e 2012, a nação foi controlada pelo comandante supremo das Forças Armadas, em prosseguimento ao controle militar imposto em 1952. ;A segunda era foi dominada por Morsy e pela Irmandade Muçulmana, o primeiro governo presidencial, mas também produto de um acordo de bastidores com o complexo militar. Isso não durou até 3 de julho de 2013, com um golpe articulado por Al-Sisi;, citou. Outro período transicional de 10 meses terminou com a eleição de Al-Sisi. ;Somente o fato de ele ter obtido 97,6% dos votos deveria dizer grande coisa sobre o estado da política no Egito. O que transpirou desde aquele 11 de fevereiro de 2011 foi a ditadura mais repressiva da história moderna do Egito;, reconheceu.

De acordo com Khalifa, o que distingue Al-Sisi de Mubarak é que o ditador deposto se guiava por um senso estratégico das políticas doméstica e externa. ;A política de Al-Sisi, por sua vez, depende da força e de sua aplicação.; Mais de 61 mil egípcios estão nas prisões apenas por suas convicções políticas. Na semana passada, dois jornalistas desapareceram, e a suspeita é de execução extrajudicial. A brisa da liberdade que soprou sobre Tahrir, naquela noite de fevereiro, deu lugar a tempos obscuros.



Pontos de vista

Por Robert Springborg

No caminho
da ditadura

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;O fato de Al-Sisi não deixar que nenhum adversário dispute as eleições de março sugere o medo de que militares e serviços de segurança não estejam ao lado dele. Se o ex-general Sami Anan ou o ex-premiê Ahmed Shafiq fossem capazes de disputar as eleições e tivessem entre 20% e 25% dos votos, isso forçaria Al-Sisi a mudar o curso e reconhecer a insatisfação com a política. Al-Sisi quer comandar o país como se todos o apoiassem, não como um chefe de um Estado no qual há discordâncias sobre as políticas. Agora que ele desceu pelo caminho da ditadura, não há retorno.;

Professor visitante do Departamento de Estudos de Guerra do King;s College, em Londres


Por Amr Khalifa

Teatro do
absurdo


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;A marca Al-Sisi de autocracia é particularmente musculosa, e não distingue entre assuntos militares e políticos. Ele disse, em um recente discurso: ;Eu não sou político;. A tentativa de assassinato do ex-czar anticorrupção Hisham Genena é um exemplo perfeito de como usar uma vara dura quando o silêncio deveria ter sido a abordagem. Essa ato, aliado à prisão do candidato presidencial Sami Anan, é um pequeno reflexo de um homem que acredita que o seu caminho é a prisão ou a morte. As eleições convocadas por Al-Sisi nada mais são do que um teatro do absurdo.;

Colunista e analista político egípcio

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