Agência France-Presse
postado em 28/02/2018 07:20
Douma, Síria - Os ataques aéreos e disparos de foguete foram reportados nesta terça-feira (27) no enclave rebelde de Ghuta Oriental, comprometendo a "trégua humanitária" diária decretada na Síria pela Rússia, grande aliado do regime de Bashar al-Assad.
Após uma noite relativamente calma e da entrada em vigor desta trégua de cinco horas às 9h00 (04h00 de Brasília), os ataques aumentaram neste território do qual o governo controla dois terços, de acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH).
Sete civis, entre eles duas crianças e uma mulher, morreram nesta terça, dois durante o horário da suposta trégua, segundo o OSDH. "Obuses, bombas e barris de explosivos foram lançados sobre o enclave rebelde", acrescentou. A agência oficial de notícias síria Sana, por sua vez, relatou disparos de foguetes contra os corredores humanitários a nível do campo de Al-Rafidain, com o objetivo de impedir os civis de deixar a região.
O Exército russo acusou nesta terça-feira os rebeldes sírios de lançarem uma "ofensiva" contra as forças do governo de Assad no enclave durante a "trégua humanitária" decretada por Moscou. "Durante a trégua humanitária, os combatentes dos grupos armados continuaram atacando as posições das forças do governo" em Ghuta Oriental para, a seguir, "passarem à ofensiva" nesse reduto rebelde próximo a Damasco, indicou o responsável do centro russo de reconciliação dos beligerantes na Síria, Yuri Evtuchenko, em comunicado.
"Essas ações se viram acompanhadas de intenso fogo de artilharia e de armas curtas", assinalou. Moscou também acusou combatentes rebeldes de terem disparado morteiros no corredor humanitário entre Harasta e Duma. "Os projéteis explodiram a 500 metros de um posto de controle", indicou o comunicado.
População sem ajuda
Esta nova tentativa de cessar as hostilidades ocorre quatro dias após a votação pelo Conselho de Segurança da ONU, depois de discutir com Moscou em particular, de uma resolução pedindo um cessar-fogo "sem demora" de 30 dias. A mesma não teve efeito.
Com a retomada dos combates, nesta terça-feira nenhum ferido foi evacuado, enquanto nenhuma ajuda humanitária pode ser encaminhada. "Constatamos que os combates continuam (...), o que torna impossível enviar comboios", indicou Jens Laerke, porta-voz do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha).
[SAIBAMAIS]Sitiada desde 2013, Ghuta Oriental e seus 400.000 habitantes sofrem, além dos bombardeios, de uma escassez de alimentos e remédios. De acordo com o Ocha, mais de 700 pessoas precisam de evacuação médica de emergência, enquanto 12% das crianças com menos de cinco anos sofrem de desnutrição grave e uma criança em cada três de um retardo de crescimento.
O porta-voz da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tarik Jasarevic, afirmou que sua agência possui uma lista de 1.000 pessoas à espera de evacuação médica, incluindo 600 em um estado "moderado a severo". A recente ofensiva do regime e de seu aliado russo desativaram vários hospitais no enclave e geraram um aumento nos preços dos alimentos, de acordo com o Ocha.
Enquanto isso, as facções rebeldes em Ghuta prometeram nesta terça-feira em uma carta à ONU "expulsar" os combatentes de um grupo jihadista em troca da implementação da trégua prevista pela ONU.
O Conselho de Segurança da ONU se reunirá na tarde desta quarta-feira para analisar a situação humanitária na Síria e ouvir, pela terceira vez desde fevereiro, o subsecretário das Nações Unidos para Assuntos Humanitários, Mark Lowcock.
Nas ruas de Duma, os moradores do enclave rebelde, último bolsão de resistência ao poder de Bashar al-Assad perto da capital, expressaram profundo ceticismo sobre o "cessar-fogo russo", antecipando uma repetição do cenário observado no final de 2016 em Aleppo, a grande cidade do norte assumida pelo regime. "Esta trégua é uma piada, a Rússia nos mata todos os dias e nos bombardeia todos os dias", disse Samer al-Bouydani à AFP.
O comandante das forças americanas no Oriente Médio, o general Joseph Votel, disse que a Rússia "exerce o papel de incendiário e bombeiro", o que é "extremamente desestabilizador". "Deve admitir que não é capaz de acabar com o conflito sírio, ou não deseja", acrescentou.